sexta-feira, 26 de novembro de 2010

destilada


divino instinto humano
mata[dor] do tempo
devora[dor] das horas
rebuliço de bicho no cio
unhas carne suor
sangue a ferver
eros absinto
espalha[dor] de desejos indizíveis
excitante rabo de foguete...
recôncavos e meandros
de um azul tão errante
...
onde a mesquinhez do tempo?!
onde o medo da morte?!
o universo é mais vasto por aqui...
acredite...

Izabel Lisboa

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

20 de Novembro, dia Nacional da Consciência Negra

ENCONTREI MINHAS ORIGENS

Encontrei minhas origens
em velhos arquivos
....... livros
encontrei
em malditos objetos
troncos e grilhetas
encontrei minhas origens
no leste
no mar em imundos tumbeiros
encontrei
em doces palavras
...... cantos
em furiosos tambores
....... ritos
encontrei minhas origens
na cor de minha pele
nos lanhos de minha alma
em mim
em minha gente escura
em meus heróis altivos
encontrei
encontrei-as enfim
me encontrei

Oliveira Silveira*


*Professor, poeta e pesquisador gaúcho, Oliveira Ferreira da Silveira foi o idealizador do Dia da Consciência Negra.

20 de Novembro dia Nacional da Consciência Negra.mpg

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Gota d´água

eram tantas... e nenhuma

quantas pudesse ter
quantas pudessem ser
jovens e maduras
brejeiras e faceiras...
em cada uma delas um encanto
dos quais restaram apenas fugidias lembranças
como a névoa embaçada do cais
como portos visitados e abandonados
delas restaram apenas resquícios na memória
apenas suspiros... ou talvez nem isso
lembranças que surgem em noites de frio e nostalgia
quando a solidão nos aprisiona em seus porões sombrios
onde estaria aquela que seria a única
que concentraria o encanto de todas
que envolveria seu coração
com suave essência de terno amor
e a simplicidade das flores do campo
que o amaria e compreenderia para além das folias
mesmo nas terríveis noites frias de nostalgia
nas coisas mais miúdas do dia a dia
ou nas mais graúdas de noite a noite
e mesmo quando fosse impossível amá-lo
ela lançaria um olhar amoroso
sobre a tragédia de suas dores existenciais
e ainda assim o amaria
talvez ela já tenha estado em seus braços...
passou por ele... e ele não a notou...
ávido de querer a todas...
buscando em cada uma delas um seixo de ouro

e no entanto
ele esteve com a preciosa jóia entre as mãos...
e nem notou...

só o vazio
o passado
as memórias
as lembranças...

foi tudo o que enfim restou...


Izabel Lisboa

domingo, 14 de novembro de 2010

essência

dia desses despertei feliz
não é raro
sempre acontece...

e se meus pés não me seguram
eu vôo até o sol
nesse dia eu percebi
que nada se pode fazer
quando a alma se agiganta
nada se tem a perder
quando a vida nos encanta
e se a razão me viesse incomodar
insistentemente me questionar
sobre a transcendência
e a imanência
e a clarividência
e a impotência
e todas as demais ências
eu de pronto responderia
que o que eu preciso mesmo meu Deus
é de paciência
para compreender
que essa incômoda e sempre atual ausência
é o que movimenta em mim
a mais pura e sublime essência

dia desses despertei feliz
não é raro
sempre acontece...





quarta-feira, 10 de novembro de 2010

pé de beijo















plantei na terra
arada de um
vaso cardíaco um
pé de flor de beijo

as florinhas
miúdas que enfeitam
o corpo da planta
encantam

doce esse
meu jardim...
de macios beijos a
florir aqui e ali

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Adriana Calcanhotto-Gatinha manhosa

para não deixar morrer um poeta...

como saberei de ti
se não abres tua boca
e não tomas o papel e a tinta
se não deixas fluir através da poesia tua dor
e não soltas num grito a angustia que teu peito abafado guarda
se te escondes sob um sofá embolorado como Gregor em Kafka...
como saberei de ti...
ninguém poderá tirar de teu quarto os móveis para te dar espaço
essa transportação só você poderá fazer
e escolher entre sucumbir e morrer como um asqueroso inseto
ou abraçar tua derradeira salvação
através do grito
da palavra escrita
da poesia bem dita...


Bel Lisboa

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

ventre livre


















escreveu um poema
apressadamente


em papel higiênico ...


versos muito macios
sem consistência


como o papel...


[achou uma m&rd@]
jogou no vaso sanitário


deu descarga...

foram os melhores
que já escreveu


esqueceu...




Izabel Lisboa

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Canção do Remendo e do Casaco



















Sempre que a nosso casaco se rasga
Vocês vêm correndo dizer: assim não pode ser
Isso vai acabar, custe a que custar!
Cheios de fé vão aos senhores
Enquanto nós, cheios de frio, aguardamos.
E ao voltar, sempre triunfantes
Nos mostram o que por nós conquistam:
Um pequeno remendo.
Ótimo, eis o remendo
Mas onde está
O nosso casaco?


Sempre que nós gritamos de fome
Vocês vêm correndo dizer: Isso não vai continuar
É preciso ajudá-los, custe a que custar!
E cheios de ardor vão aos senhores
Enquanto nós, com ardor no estômago, esperamos.
E ao voltar, sempre triunfantes
Exibem a grande conquista:
Um pedacinho de pão.


Que bom, este é o pedaço de pão
Mas onde está
O pão?


Não precisamos só do remendo
Precisamos o casaco inteiro.
Não precisamos de pedaços de pão
Precisamos de pão verdadeiro.
Não precisamos só do emprego
De toda a fábrica precisamos.
E mais a carvão
E mais as minas
O povo no poder.
É disso que precisamos.
Que têm vocês
A nos dar?


[Bertold Brecht]

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Lancei-me

Lancei-me... Era necessário quebrar os cristais que iam sorrateiramente se formando em torno de minh’alma inerte e paralisada pelo gelo em algum ponto de minha história!
Descolei-me de mim nesse algum ponto!
Fugindo desesperada de possíveis encontros comigo mesma, flutuava como uma pena lançada ao sabor de um desnorteado vento atravessado.
Mas, algo começou a vibrar e colorir o meu hoje. Gotas de tinta respingavam também em meu futuro! Um acorde novo, um voo rasante, uma montanha convidando para ser escalada... Um tango, um bolero e um blues clamavam para serem dançados... Enfim, algo da ordem de um movimento radical despontava vitorioso após batalhas travadas bravamente no ringue do Tempo entre meus impulsos vitais e o terrível torpor que havia tomado conta dos meus canteiros interiores...
E me vi em flor... Assim...!