sábado, 12 de maio de 2012

No dia em que a velhice tiver chegado, e eu começar a derramar comida sobre a minha camisa e esquecer-me de amarrar os meus sapatos, tenha paciência e lembra-te das horas em que passei te ensinando a fazer as mesmas coisas!
Se quando conversares comigo, eu repetir as mesmas palavras que sabes de sobra como terminam, não me interrompas, só escute...!
Quando eras pequeno, para que dormisses tive que contar milhares de vezes a mesma história até que fechasses os olhinhos!
Quando estivermos reunidos e, sem querer, fizer minhas necessidades, não fiques com vergonha...! Compreendas que não tenho culpa, pois já não posso controlar! Pensa quantas vezes pacientemente, troquei tuas roupas para que estivesse sempre limpinho e cheiroso!
Também não me reproves se eu não quiser tomar banho. Lembra-se dos momentos em que te persegui e os mil pretextos que inventava para te convencer a tomar banho!
Quando me vires inútil e ignorante frente às novas tecnologias que já não poderei entender, suplico-te que me dês todo tempo necessário, e que não me machuques com um sorriso de superioridade! Lembra-te de que fui eu quem te ensinou tantas coisas: comer, vestir-se e como enfrentar a vida também como tu fazes!
Se quando estivermos conversando, esquecer-me do que estamos falando, tenhas paciência e me ajude a lembrar...! Talvez a única coisa importante para mim nesse momento seja o fato de estares perto de mim, dando-me atenção, e não a conversa propriamente!
Se alguma vez eu não quiser comer, saiba insistir com carinho...! Assim como fiz muitas vezes contigo. Também compreendas que, com o tempo, não terei dentes fortes e nem agilidade para engolir!
E quando minhas pernas falharem por estarem cansadas, se eu já não conseguir mais me equilibrar... Com ternura dá-me a tua mão para me apoiar, como fiz quando começastes a caminhar com tuas perninhas tão frágeis!
E, se por acaso, ouvir-me dizer que não quero mais viver, não te aborreças comigo...! Apenas entenda que isso não tem nada a ver com o teu carinho ou com o quanto te amo, compreenda que é difícil ver a vida abandonando aos poucos o meu corpo e que é duro admitir que já não
tenho mais o vigor para correr ao teu lado, ou para tomá-lo em meus braços, como antes. Não te sintas triste ou impotente por me ver assim!
Não me olhes com cara de pena...! Trata-me com amor e dá-me somente teu coração, tua compreensão e apoio, como fiz quando começastes a viver. Isso me dará forças e muita coragem para terminar os meus dias feliz e em paz!

Autor desconhecido

quarta-feira, 28 de março de 2012

sob o sofá










está falando de mim
fala de mim o
inseto asqueroso
de olhar aterrorizado
insistente espelho
aquele límpido espelho
onde me vejo ali
[...verdade terrível]
através do olhar
de Kafka...

Izabel Lisboa

domingo, 12 de fevereiro de 2012

carcaça















a vastidão do imperscrutável mar
não foi causa primeira de minha destruição
minha própria entrega cega
[sobre sedutoras e traiçoeiras águas]
selou minhas corrosões

Izabel Lisboa








segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

penúltimo suspiro











manabu mabe


anti-flatulência e  diurético
expectorante e laxante
e nada de expurgar
esses tais pensamentos

a finitude ali
no canto da sala
sedenta
olha-me

de cima a baixo
fixa o olhar
no meu olhar
garimpa meus medos

convida à valsa
à dança da morte
fundo do poço
prisão do ventre e da alma...


Izabel Lisboa

Utopía por Eduardo Galeano

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ordinariamente














os sentidos
nos enganam
os amores
nos tutelam
os prazeres
nos aplacam
as leis
nos reprimem
os sinais
nos alertam
os cálculos
nos ajustam
os olhos
nos delatam
as máscaras
nos ocultam
já que...
os sentidos
nos enganam
nos enganam
e nos enganam...

Izabel Lisboa

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

extravios


à distância
é que se enxerga melhor
o todo
ah...o todo
[carrego no corpo os fragmentos dele]
- tentaram me vendê-lo
no Natal
no débito automático
no crédito...
uma pechincha
entrega em domicílio
[extraviou-se o pacote]
Izabel Lisboa


sábado, 14 de janeiro de 2012

Sobre Movimentos e Estudantes


É uma pena que estejamos assistindo em nossos dias a falência do Movimento Estudantil, historicamente tão presente, politizado e atuante nas lutas pela conquista da Democracia desse País. Hoje o Movimento Estudantil se mostra esquálido e desprovido de sua força propulsora, ou seja, o engajamento da GRANDE MASSA estudantil nos movimentos e lutas organizadas. Ou será que se nessas últimas manifestações acontecidas em Vitória, uma grande massa de estudantes fossem as ruas (e não um ínfimo número) organizadamente, com pauta de reivindicações, etc, será que não seriam ouvidos, recebidos pelos governantes e até mesmo conseguiriam ser atendidos em parte ou na totalidade de suas reivindicações?!  

É bom que se tenha claro que, onde há movimentos sociais, especialmente com protestos públicos, lá estarão os representantes de partidos políticos tentando tirar proveitos eleitoreiros da situação. É assim hoje e foi assim sempre; ou seja, não é a rapinagem partidária a grande questão nessa situação específica.

A grande questão é que o Movimento Estudantil, hoje, praticamente inexiste; isso porque a mentalidade dos estudantes universitários está voltada para o empreendedorismo (praga capitalista), onde o individualismo e a competitividade imperam e a dimensão do comunitário, do coletivo, que sempre permeou esses movimentos, perdeu espaço e valor diante do individualismo que é marca desses nossos tempos. Na mentalidade de hoje a "culpa" não é mais do "governo", um ser abstrato que precisa ser vencido e dominado (dimenção utópica, porém que possui grande força no movimento reivindicatórios das grandes massas populacionais), a culpa é do indivíduo que não tem "competência" para alcançar um lugar ao sol no almejado mercado de trabalho - que abriga a todos que tenham um arrojado espírito empreendedor. Hoje os estudantes não se sentem mais navegando num mesmo barco, mas cada um navega em seu próprio barquinho individual! Sinal de que a ideologia neoliberal teve, e continua a ter, êxito na formação da subjetividade, fazendo da comunidade dos estudantes universitários mais um rebanho "de leite e corte"...exército de reserva...massa de manobra...alvo certeiro para que os governantes consigam desautorizá-los diante da opinião pública e desmoralizá-los taxando-os como "um pequeno grupo de baderneiros". Ou seja, a mobilização da grande massa populacional é fundamental; e a história nos mostra que às vezes é necessário o surgimento de um mártir para que ela aconteça o movimento cresça e se firme como vitorioso!

Izabel Lisboa

asas à imaginação


Steven Kenny / Fredge
 

vaguei-as ali
no campo das palavras e da imaginação
e ali encontras o infinito
[tão finito...]
a imaginação apenas te leva aos confins
d'uma metafísica tão rala
d'uma imanência tão gasta
falida a priori
[mais ainda a posteriori]
imaginas tantos mundos
tantos sois e tantas luas
novos céus e novas terras
mares d'antes nunca navegados...
só... imaginas
quando despertas do sonho
[dogmático...]
queres mais... na veia...
os alucinógenos...
as palavras
os arroubos e ilusões alheias
as teias poéticas...
[made of imagination]
e NADA mais...

Izabel Lisboa

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

o comedor de palavras e a borboleta

[se falassem]
do que falariam as borboletas
de uma fome que não se mata
de uma sede que não se aplaca
de uma dor que não se estanca
por isso voam as borboletas
em ziguezague em vai e vem
desordenadamente
desobrigadamente
esfomeadamente
sem metas e sem retas
*deparou-se um dia a borboleta
com um comedor de palavras
- sacio minha fome comendo
palavras
[disse ele]
- a fome que tenho não se acaba
a sede que sinto não se aplaca
minha dor não se estanca
[disse ela]
e era um mar tão vasto entre eles...
[um mar de palavras]

Izabel Lisboa


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

abastados em fome




alastra-se  a penúria numa terra que incita ao gozo
diante da mesa posta
da fartura exposta...
a fome
a sede
o interdito...

Izabel Lisboa