sexta-feira, 6 de agosto de 2010

CHOPIN : nocturne no.19 op.72 Fujiko Heming

eu...


As Palavras


As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpas. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes.
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam... As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do disse ou tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do verbo. E as palavras escorrem tão fluidas como o "precioso líquido". Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envoltos também num murmúrio manso, represo e conciliador... E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares. Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não ouça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça. Daí que seja urgente moldar as palavras para que a sementeira se mude em Seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do ato. Há também o silêncio.


O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e o joio.
Mas só o trigo dá pão.


José Saramago


[In: Deste Mundo e do Outro – Crônicas – 2ª Edição (1985)]
eu...

Sócrates era sabidinho!


Nas férias do final do ano passado li, pela primeira vez, a obra O Banquete de Platão. Espero que seja compreensível esse meu pecado em ler tão tarde obra tão importante para quem trilha os caminhos da senhora Sofia (estou terminando o curso de Licenciatura em Filosofia), mas sou nova nesse vasto campo da literatura dos grandes pensadores. Mas um dia eu chego lá! Aguarde e confie!
E lá estou eu lendo O Banquete, e lá estavam eles, os dignos e sábios gregos, reunidos para beber, comer, pensar e dialogar, aliás, como falam bonito os devotados senhores, em?!
Presente estava Sócrates. O velho e sapientíssimo Sócrates! Conversa vai, conversa vem, entre um elogio e outro, resolvem elogiar o deus Amor. E tome eloqüência, falatório interminável. Como dizia um padre conhecido meu, professor de Filosofia da UFES, que ao se deparar com um grupo de paroquianas mais afoitas no falatório, exclamava com um sorrisinho maroto, “parecem um bando de periquitos numa fruteira”. Pois é, apesar da pompa dos nobres gregos, refestelados em seu banquete, tive essa imagem e impressão do tal palavrório, ainda mais por que o vinho, a marvada pinga dos gregos, rolava solta.
Enfim, voltemos ao Amor. Depois de discursos animados e eloqüentes os convivas querem ouvir o venelável mestle Sócrates. Imagino que nesse momento ninguém nem respirava, afinal era o home que iria falar!
E para minha surpresa o que faz o senhor Sócrates?! Toma emprestado o pensamento e o discurso de uma mulher para falar do Amor! Olha que coisa fofa!
Li em uma nota de rodapé, do tradutor da coleção Os Pensadores, que há um forte indício de que a alusão a essa sacerdotisa deveria ser um fato fictício relatado por Sócrates. Mas isso não é relevante! Se o fato é fictício, isso mostra que o imaginário de Sócrates estava impregnado de uma delicada valoração com relação ao sexo feminino! Olha que menino maroto!
Veja como ele começa seu elogio ao Amor: “[...] o discurso que sobre o Amor eu ouvi um dia, de uma mulher de Mantinéia, Diotima, que nesse assunto era entendida e em muitos outros – foi ela que uma vez, porque os atenienses ofereceram sacrifícios para conjurar a peste, fez por dez anos recuar a doença, e era ela que me instruía nas questões de amor – o discurso então que me fez aquela mulher eu tentarei repetir-vos [...]” (PLATÃO, 1996, p. 33) *
Descobri que a Filosofia Antiga não é tão antiga assim. Sócrates colocando em destaque o pensamento de uma mulher é esplendido. Depois dessa to me achando!


Sócrates era sabidinho, em?! Agora não venham me dizer que mulher era coisa de segunda categoria da Grécia Antiga, Sócrates mostrou o contrário!


Izabel Lisboa

fardo























Carrega o fardo do teu lirismo poeta

rasga o espaço e o agora
sustenta tu’alma atada ao corpo, que persiste apesar
re-significa o mundo poeta
teu lugar é lugar nenhum, e
em cada partida tua
espalha teus lírios...
Acorda com eles a alma dos homens


Izabel Lisboa

O Sonho de Um Homem Ridículo parte 2


O Sonho de Um Homem Ridículo / parte 2

O Sonho de Um Homem Ridículo parte 1


O Sonho de Um Homem Ridículo / parte 1

vida de cão
























vida de cão em?!


nem vem
nessa de culpas
e desculpas
não caio mais
lava primeiro a cara
esfrega a alma
enxágua
e se refaz

vida bandida em?!

purificar-se dói
da lama
da poça
da sarna
do fundo
do poço
da vida
de nós


vida precária em?!

de cão
pulguento
sarnento
virador de latas
virador de mundos
do avesso virando
batendo
menos que apanhando


vida sórdida em?!


da mesma laia
somos todos nós
engolindo seco
chutando o balde
amanhã tem mais
voltaremos
à lama
e ao banho após


***
Izabel Lisboa

volta

no fundo de minhas gavetas
pedras de naftalina impedem as traças
de corroerem os teus retratos
e as tuas cartas...


- O que foi que eu não te fiz?!


Izabel Lisboa