domingo, 8 de agosto de 2010

Dia dos pais

MEU PAI
Quando pequena eu tinha muito medo de chuva forte. Meu pai me acalmava dizendo que não precisava ter medo, pois a chuva lavava tudo, e levava embora todos os males e as dores da terra... Perto dele aprendi a não ter mais medo da chuva forte... Longe dele aprendi a sentir saudades...
Izabel Lisboa
08/08/2010

Paternidade animal


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Essas coisas de lamber a cria, catar piolho, fazer cafuné, é bom demais e eu sou adepta fervorosa! Tenho um filho que já está com 22 anos e mesmo ele não sendo mais criança pequena quando vi o vídeo senti essa vontade animal de abraçá-lo e beijá-lo!

A violência contra a criança é chocante. A disparidade entre a inocencia da criança e a perversidade do adulto que pratica contra ela o ato de violência é pavorosa e infelizmente é uma realidade que deixa marcas terríveis para o resto da vida. É preciso denunciá-la e combatê-la. Apesar do vídeo se restringir aos maus tratos paternos no âmbito doméstico, a violência no que concerne ao descaso público com a saúde, educação, lazer, etc. da criança, não só no Brasil, mas no mundo todo, é outra face terrível dessa realidade.

Izabel Lisboa

Mulher - Flor de Jardim

Lógica do perdão, texto de Jacques Derrida

Conferência do autor de ‘A farmácia de Platão’, em agosto passado, no Rio, em uma de suas últimas aparições públicas. Derrida discute o processo de reconciliação na África do Sul pós-Aprtheid e no Chile depois de Pinochet.
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Estaríamos, portanto, no teatro, dentro de um teatro, nele, mas também perante uma corte, no momento em que não se resolveu a questão de saber se o tribunal, a comissão, a instância do veredicto é humana ou divina, se se trata do julgamento dos homens ou do Juízo Final.

Não é certo que o perdão ainda faça parte de uma lógica do julgamento, mas, se fizesse, seria e continua sendo difícil saber quem perdoa a quem, o quê, a quem e se Deus é ou não a última instância de apelação.

Há sempre essa dualidade das ordens: humana ou divina. Tal dualidade compartilha ou disputa o conceito mesmo de perdão e sobretudo o momento de reconciliação.

A reconciliação pode acontecer entre os homens e Deus, mas é verdade que na maior parte das vezes a temática da reconciliação, embora se faça pela mediação de Deus, tende sempre a humanizar as coisas, a abrandar a dureza do veredicto ou do dever.

Provavelmente nada disso é fortuito: o tema da reconciliação, que certamente não está ausente de nenhuma tradição abraâmica, parece mais cristão do que judeu ou muçulmano; a mediação de Cristo ou do ‘homem Deus’ desempenha um papel que lembrávamos há pouco ao evocar Lutero ou Calvino (o calvinismo marcou profundamente a comunidade branca da África do Sul) e ao recordar que nossos quatro personagens em cena – Hegel, Mandela, Clinton, Tutu – eram cristãos e protestantes, a despeito das diferenças mais ou menos discretas que os opõem e de alguns diferendos que não demoraram a aparecer, por exemplo, entre Tutu e Mandela.

Exceção absoluta

Em ‘O Mercador de Veneza’ [de Shakespeare], assiste-se à astúcia que consiste em fingir colocar o perdão acima do direito:

‘When mercy seasons justice’, como dizia Portia, a mulher disfarçada de advogado, representando os interesses do monarca, do doge e do Estado teológico-político cristão.

Ela (ele) tencionava, a um só tempo, convencer, fingir convencer, na verdade vencer, enganar e converter o judeu etc.

Como em certo texto de Kant, que inscreve a exceção metajurídica do direito de indulto na lei e no fundamento da lei, quisemos assim reconhecer um lugar (o direito de indulto concedido ao soberano, o indulto concedido pelo soberano) em que se juntavam o teológico e o político, o divino e o humano, o celeste e o terrestre.

Esse lugar permanece tanto mais notável por situar a um só tempo uma exceção absoluta – a inscrição do não-jurídico no jurídico, do para-além-da-lei na lei, a transcendência na imanência, e uma exceção que funda a unidade do corpo social e do Estado-nação.

Certamente isso é verdade, ainda hoje, em toda parte o¬nde o direito de indulto continua existindo, mesmo fora das monarquias (na França ou nos EUA, por exemplo), mas também, ‘a contrario’, como uma lei acima das leis, por meio da própria noção de imprescritibilidade.

Quando a noção de imprescritibilidade é inscrita na lei -como é o caso na França, desde 1964, para os crimes contra a humanidade-, ela se torna assim, para além da temporalidade jurídica e portanto humana, um conceito jurídico.

Este leva a compreender que nenhuma lei dos homens, no tempo dos homens, pode subtrair o criminoso ao julgamento.

Não é o oposto do direito de indulto, já que o chefe de Estado ainda pode agraciar um homem condenado por crime contra a humanidade (como acredito que fez Pompidou com Touvier, em nome da reconciliação e da reconstituição da unidade da nação).

Instância transcendente

A imprescritibilidade tem de análogo com o direito de indulto, com o indulto a que parece se opor, o fato de em ambos os casos a ordem humana da lei e o tempo humano do julgamento serem ultrapassados por uma instância transcendente.

Os homens não têm o direito de subtrair o – ou de se subtrair ao – julgamento, qualquer que seja o tempo decorrido após cometer a falta.

A esse respeito, do mesmo modo que o direito de indulto imita o poder divino, de que emana e com que se autoriza, a idéia de imprescritibilidade (algo bastante moderno, enquanto fenômeno jurídico e contemporâneo apenas, ao que saiba, do conceito igualmente moderno de crime contra a humanidade, que é seu correlato na França desde 1964) imita o Juízo Final.

Ele se dirige a um ‘até o final dos tempos’, portanto até um ‘para além do tempo’: um tempo até o final dos tempos.

Mas, como a ordem do prescritível ou do imprescritível não é a do perdoável ou do imperdoável – os quais não têm mais nada a ver, em princípio, com o judiciário ou o penal -, então essa hipérbole do direito sinaliza contudo para um perdão, a saber, um excesso no excesso, um suplemento de transcendência (pode-se, ao mesmo tempo em que se condena perante a corte de Justiça, perdoar o imperdoável) ou ainda para uma reapropriação humanizadora, uma reimanentização da lógica do perdão.

Essa reimanentização, essa reapropriação humanizadora organiza sempre o que está em jogo num debate religioso, o qual não pode deixar de passar pela sacralidade, pela indenidade, pela imunidade (‘Heiligkeit’) religiosa.

Debate religioso também entre as religiões que, como cada uma das religiões abraâmicas, trata diferentemente da reconciliação, da mediação humana na relação com Deus, da encarnação, dos profetas, do messias e do profeta.

Jesus, intercessor junto de Deus para que perdoe os que não sabem (pelo menos segundo Lucas), não é o messias para todo mundo. Não é o messias para os judeus e é somente um profeta para os muçulmanos.

Redenção de Pinochet

Sabemos que também foi notória no Chile essa dimensão cristã ou cristianizadora do processo em curso.

Pinochet foi redimido no começo da democratização e depois das eleições, mas redimido no sentido de Hegel, ‘aufgehoben’, conservado e ao mesmo tempo deslocado, já que continuou sendo chefe das Forças Armadas e uma grande voz do país, quando já havia cedido o poder.

Ora, no começo da era pós-Pinochet, no instante de uma anistia geral, é a mais alta hierarquia da igreja que hoje apregoa a reconciliação nacional.

É verdade que, em 1973, após o assassinato de [Salvador] Allende, o cardeal Raul Silva Henríquez tinha corajosamente declarado que ‘os direitos do homem são sagrados’, opondo-se em seguida a Pinochet, à sua maneira.

Porém, velho e doente, ele foi hoje rendido por um arcebispo de Santiago, monsenhor Francisco Javier Errazuriz, que insiste na ‘necessidade de perdoar’.

Será excessivo lembrar que esse arcebispo teve um cargo no Vaticano e na Alemanha, que pertence a uma das famílias mais ricas do país e que seu irmão é um militante do partido de direita chamado Renovação Nacional?

Cabe sempre lembrar, pois se trata de uma situação típica, que, se a Igreja chilena é predominantemente conservadora (o Chile faz parte dos países cristãos o¬nde o divórcio é proibido), também houve padres que lutaram contra a ditadura, pagando com a própria vida.

O mesmo aconteceu na África do Sul: se certa ‘ideologia’ teológica calvinista contribuiu em profundidade para o estabelecimento, justificação e manutenção do apartheid, é preciso, em contrapartida, saudar alguns teólogos e todo um movimento cristão, que corajosamente lutaram contra o racismo de Estado.

Que a Igreja cristã, portanto, em sua fala autorizada, sustente hoje o discurso da reconciliação, que ela ofereça a ‘palavra de reconciliação’, que a reconciliação seja não apenas sua língua mas a língua em que se traduzem - com o conhecimento ou não dos sujeitos envolvidos, todos os discursos mundiais da reconciliação - é algo que nos é confirmado de mil maneiras.



Tradução de Evandro Nascimento.

In: http://www6.ufrgs.br/idea/?page_id=188