sábado, 31 de dezembro de 2011

deslocamentos

        zenós frudakis

em quais recôncavos dormem as almas livres 
[... da culpa dos pecados mortais?]
onde perecem aqueles pensamentos esfomeados
que cultivam imagens seminuas com a benção dos deuses pagãos?
ali onde o consenso míngua até a morte
onde desmoronam-se alicerces de velhos mundos
e seus frigidos desejos concretados e mesquinhos
incrustados na miséria e na fome
_ fome de querer mais
[muito mais]
que um punhado de leis e de nãos
[que os infelizes impõem a si mesmos]
_ que mal há no desvio das rotas
para um astronauta prenhe de novos mundos...?
[ _ um prisioneiro do tempo há de
se extasiar com a mutabilidade do voo das borboletas...]
e há...
Izabel Lisboa


sábado, 10 de dezembro de 2011

da inércia


despiu-se
mas foi do gelo
daquele vazio vintém
arrombador tenaz
de suas frestas
farejador sabujo de
suas possíveis rotas
invasor
em cada uma de suas festas
[ontem]
esse maldito investidor
esvaziou seus potes
avidamente secou seu leite
[que um dia foi farto]
deixou nódoa indelével
na brancura de seu lençol
e...quem diria...
provocou curto-circuito
naquele seu cáustico
[e íntimo]
sol nascente...
[hoje]
um burburinho moveu-a
[necessidades
e urgências]
de [re]amar e
remar a vida
reatar a lida
em direção
outra...
que não a mesma
...que não a morte

Izabel Lisboa

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

sem atalhos

calejada avidez da busca
a mão...sedenta mão...
impura
de fome atordoada
daquela pureza nunca suficiente
para almejar alturas e
apalpar avidamente
as asas d'um anjo distraído...

Izabel Lisboa

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Se o imperativo categórico kantiano não fosse uma utopia (e as leis fossem realmente e justamente aplicadas) não chegariam até nós notícias como essa que repasso abaixo.
Em um momento em que o Brasil acompanha a polemica tramitação do Projeto de Lei para aprovação do Novo Código Florestal, notícias como essa tornam urgente não só a renovação ou a modernização das Lei, mas, medidas governamentais mais severas para se fazer cumprir Leis que já existem e não são acatadas, como é o caso do Código Florestal vigente, que nunca foi respeitado pelos grandes proprietários rurais. Pelo conteúdo da notícia abaixo percebe-se o quão difícil é coibir ações criminosas motivadas pela ganância dos abastados, e a ausência total de consciência crítica em relação a preservação do meio ambiente.
_______________________________
Denunciamos o assassinato covarde de mais um defensor da natureza na Amazônia.
Sábado foi assassinado o líder comunitário João Chupel Primo em Miritutuba, município de Itaituba, PA. Conheci o João foi em sua comunidade que realizei as primeiras crismas como bispo de Itaituba.
Eu o tinha encarregado de fundar uma nova comunidade. Justamente no dia da crisma em junho deste ano, ele deixou de ser o coordenador da Comunidade Nossa Senhora de Nazaré de Miritituba para poder se dedicar à fundação da nova comunidade.
Ele vinha fazendo denúncias sobre grilos de terras e extração ilegal de madeira (veja a nota). Por isso foi assassinado brutalmente com um tiro na testa sábado passado.
Quando os defensores da natureza e da legalidade vão deixar de serem mortos? Quando o Governo Federal colocará pra valer a Polícia Federal para agir no Pará?
Fraternalmente
Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
Bispo da Prelazia de Itaituba, Pará - Brasil
_________________________________________
Coordenador da Comunidade de Miritituba/ Itaituba - PA é assassinado
Sábado, dia 22 por volta das 14 horas, foi assassinado com um tiro na cabeça João Chupel Primo, com 55 anos. Ele trabalhava numa oficina mecânica onde o crime ocorreu, ao lado de seu escritório.
João denunciava a grilagem de terras e extração ilegal de madeira, feitas por um consorcio criminoso. Ele tem vários Boletins de ocorrências de ameaças de morte na Policia local. E fez várias denuncias ao ICMBIO e a Policia Federal, que iniciaram uma operação na região.
A madeira é retirada da Flona Trairão, e da Reserva do Riozinho do Anfrizio. Onde as portas de entrada para essa região, que faz parte do mosaico da Terra do Meio, se dá pela BR 163 Vicinal do Brabo cortada até o Areia; entrando pelo Areia (Trairão) cortada até Uruará. Pela BR 230: vicinal do Km 80. Vicinal do km 95. Vicinal do 115. A operação do ICMBIO, que recebeu apoio da Policia Federal, Guarda Nacional e Exercito não teve muito êxito, pois toda noite ainda saem 15 a 20 caminhões de madeira.
Dizem que não foi dado continuidade na operação por medida de segurança. Um soldado do Exército trocou tiro com pessoas que cuidavam da picada quilômetros adentro da mata e ficou perdido 5 dias no mato. O Exercito retirou o apoio. A Policia Militar também não quis dar apoio.
A responsabilidade de mais uma vida ceifada na Amazonia, recai sobre o atual governo, o IBAMA/ICMBIO, Policia Federal, que não deram continuidade a operação iniciada para coibir essa prática de morte, tanto da vida da Floresta como de pessoas humanas.
Desde 2005 até os dias atuais, já foram assassinadas mais de 20 pessoas nessa região.
Quantas vidas humanas e lideranças ainda tombarão???
Itaituba, 24 de Outubro de 2011.
CPT – BR163
Prelazia de Itaituba

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Para que SERVE a filosofia?

"[...] para o que serve poder perguntar pela utilidade, ou seja, para que serve ir ao cinema? É muito diferente da pergunta: para que serve ir ao banco? Vamos ao banco para pagar uma conta. Se não tivéssemos uma conta para pagar, não iríamos ao banco. Ou seja, vamos porque existe uma utilidade. Agora, não vamos ao cinema por uma utilidade concreta. Vamos porque isso nos dá um sentido, porque nossa vida se torna diferente, porque nos faz perceber coisas distintas. A filosofia é mais próxima do cinema do que do banco. Nós a fazemos não porque tenhamos um produto concreto e satisfeito, e ficamos tranquilos. É ao contrário. Assim, como quando vamos ao cinema, ficamos pensando no filme depois, e isso tem efeitos que não podemos notar tão claramente. O que fazemos em filosofia é a mesma coisa. Às vezes uma pergunta, um questionamento, uma maneira diferente de pensar têm um efeito em nossa vida, têm um sentido para nossa vida que não percebemos imediatamente."

Walter Kohan
http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=125

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Gattaca - Experiência Genética

Ficha técnica:
Título original: (Gattaca)
Lançamento: 1997 (EUA)
Direção: Andrew Niccol
Atores: Ethan Hawke, Uma Thurman, Jude Law, Gore Vidal.
Duração: 112 min
Gênero: Ficção Científica

O filme Gattaca - Experiência Genética, apresenta uma sociedade futurista onde os seres humanos são gerados geneticamente em laboratório. Aqueles indivíduos que são concebidos de forma biologicamente natural são rotulados de incapazes e discriminados socialmente.
Nesse contexto, marcado por uma cultura excludente, um jovem astronauta é selecionado para uma importante Missão, tripulada, de um ano para Titã, 14ª lua de Saturno. A seleção de Jerome foi virtualmente garantida ao nascer. Através da engenharia genética e da reprodução assistida lhe foi garantido todos os dons exigidos para tal empreendimento: ele é geneticamente superior, portanto apto para tal Missão.
Tudo estaria dentro da ordem vigente se, através de fraude e falsidade ideológica, Vincent Freeman, um incapaz, inválido geneticamente, não burlasse o rígido "controle de qualidade" escondendo sua verdadeira identidade e conquistando um lugar de destaque na corporação: Vincent simplesmente passa-se por Jerome, indivíduo apto geneticamente, mas inválido devido a um acidente que o deixou paraplégico, portanto, inválido fisicamente.
Um misterioso assassinato dará um rumo inusitado à trama.
*** *** ***
Gattaca desencadeia no espectador uma série de reflexões críticas que vão ao encontro de questões e implicações éticas que permeiam as pesquisas e manipulações genética: Até onde pode chegar o homem nessa área do conhecimento científico? Existe limitações para esse tipo de experiência? O que é eticamente adequado e inadequado nessas pesquisas? Essas experiências estão livres de pressupostos eugênicos, ou teriam justamente esses pressupostos implícitos como mola propulsora?
A pesquisa genética avançou a passos largos nas últimas décadas. As notícias que nos chegam através da mídia, ou de revistas e periódicos especializados (da ovelha Dolly ao Projeto Genoma), vêm comprovar esse inquestionável avanço e trazer ao senso comum uma série de dúvidas, inquietações, questionamentos e expectativas.
Grande parte da comunidade científica aplaude cada conquista e cada descoberta feita. As instituições religiosas, juntamente com aqueles indivíduos preocupados com os aspectos éticos e a responsabilidade social, imbuídos de zelo, pedem prudência e bom senso aos pesquisadores, e, sobretudo, respeito à vida e ao ser humano em sua dignidade. A população, de forma geral, diante das "boas novas", quer usufruir dos benefícios quase que miraculosos propagados pelos mais entusiasmados. Enfim, é um caldeirão de sentimentos que entrou em ebulição: dúvidas, euforias, questionamentos, expectativas, medos e esperanças, afinal não dá para ficar impassível diante de tantas promessas: a cura ou erradicação de inúmeras doenças, o prolongamento da vida - que tem como pano de fundo o desejo da imortalidade - enfim, todo esse promissor horizonte que se abre com as descobertas através das pesquisas genéticas mexe com o imaginário e o universo simbólico no qual todos nós seres humano de alguma forma estamos inserido.
Segundo Marcelo A. Costa Lima, professor do Departamento de Genética da UERJ (http://tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_zoo&view=item&item_id=7272), nas duas últimas décadas, no Brasil, os investimentos financeiros no âmbito das pesquisas genéticas aumentaram significativamente e possibilitaram um acentuado incremento da produção científica nessa área. São muitas as descobertas no campo da genética que podem ser aplicadas em nossas vidas, como por exemplo:
- novos procedimentos técnicos que permitem realizar diagnóstico de doenças;
- produção de embriões em laboratório / reprodução assistida;
- detectar fator de risco - suscetibilidade a algumas doenças, para possível prevenção; etc.
Um marco importantíssimo nesse sentido é o Projeto Genoma, uma iniciativa múltiinstitucional que envolveu vários países e que começou na década de 80; teve como objetivo mapear toda a sequencia do material genético da espécie humana. Tal Projeto atingiu sua finalização, teve seu objetivo alcançado em 2003 e trouxe uma série de informações que possibilitaram inúmeras descobertas.
Apesar da velocidade das descobertas e dos avanços das pesquisas genéticas, tudo ainda é muito recente nessa área da ciência. No entanto, junto com a euforia das novas descobertas multiplicam-se consideravelmente os questionamentos e as expectativas diante desse "algo novo" que mescla paradoxalmente o extraordinário ao assustador.
Para exemplificar esse paradoxo para além da ficção:

Manipulação Genética / Ternura e Fidelidade:

Experiências inéditas, de manipulação genética, muda comportamento de uma espécie
tornando ratos mais fiéis e ternos para com suas fêmeas.
A experiência, apresentada no jornal eletrônico Journal of Neuroscience, (http://www.jneurosci.org/ ): Pesquisadores da Universidade Emory, usaram um vírus para inserir um gene específico na área do cérebro de roedores, responsável por sensações de recompensa e habituação. O que impressiona, e assusta, é que nos seres humanos essa área tem as mesmas funções.
O investigador Larry Young, que participou no estudo, disse que o interesse dos pesquisadores foi descobrir como é que o cérebro estabelece determinadas relações sociais, a partir daí poderiam desvendar por qual motivo, em algumas doenças, as pessoas perdem o interesse pelas outras, como por exemplo no autismo.
Um especialista da Universidade de Bristol, em um depoimento no site da revista Nature, define assim seus sentimentos em relação a essa experiência : "É extraordinário e quase assustador como se pode mudar o comportamento relativo à relação entre seres, mudando um único receptor no cérebro".

Izabel Lisboa




sábado, 17 de setembro de 2011

Digressão de Sísifo

Branquinha, da cor que me deixa camicase, digitando suspiros noctívagos, poetizando o que arde e enfurece. Vermelhinha, desta vez não de timidez, deletando e repostando a lista de ineptos e fracassados que não merecem você. Os cabelos que realçam sua fragilidade concentrados sobre o seio direito, a camisola curta de algodão e alcinhas e mais nada, o queixinho de louça apoiado nos dedos, a alma mergulhada na tela do notebook ouvindo MPB. Do outro lado desse perfume, como um alquimista, tento converter a angústia em coragem...

***
http://opensadordaaldeia.blogspot.com/2010/11/sunrise.html


***
por: Paulo de Lima Piva




sexta-feira, 2 de setembro de 2011

aqui jaz... e jaz... e jaz...













do céu
ao inferno
foi um pulo...
ininterrupto
o  movimento
ininterrupto
de sepultá-lo... e sepultá-lo... e sepultá-lo...


Izabel Lisboa

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

a olhos vistos...













Steven Kenny
[re]buscar  palavras
na tentativa débil
de ocultar misérias
carregadas
a céu aberto...

Izabel Lisboa

sábado, 13 de agosto de 2011

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

fiat lux

derrama-se a lua
sobre a rua nua
tênue véu da noite
entrecortado tão somente
pelo frêmito das asas
da mariposa excitada
em seu voo trêmulo
em torno às indiferentes incandescentes
no mais
a rua está muda e imóvel
a madrugada arrasta-se pesadamente
e pacientemente aguarda
até que o tempo
ditador implacável
artífice derradeiro
decida-se emoldurar em tons vibrantes
a ensolarada paisagem matinal...
entrarão em cena novos atores:
madames e totós/babás e bebês/
padeiros e pães /carteiros e cartas/
pedreiros e pedras/jardineiros e jardins/
porteiros e portas/jornaleiros e jornais
- burburinhos matinais...

Izabel Lisboa

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Apologia da preguiça

***
ENSAIO
Adauto Novaes
O sequestro do nosso tempo pelo trabalho

RESUMO
Em tempos de tecnociência, permanece irrealizada a utopia da libertação do homem pelas máquinas: nunca se trabalhou tanto, e o tempo livre jamais esteve tão fora da pauta. Ora estigmatizado na ordem produtiva, ora exaltado na tradição filosófica, o preguiçoso é hoje o símbolo do tempo livre para o pensamento.
*** *** ***
O trabalho deve ser maldito, como ensinam as lendas sobre o paraíso, enquanto a preguiça deve ser o objetivo essencial do homem. Mas foi o inverso que aconteceu. É esta inversão que gostaria de passar a limpo.

Malevitch, "A Preguiça como Verdade Definitiva do Homem"
***
SABE-SE QUE uma única palavra é suficiente para arruinar reputações e, entre todas, preguiça é uma das mais suspeitas e perigosas. Ao longo dos séculos, foi carregada de significações contraditórias e impressionantes variações.
Dela decorre longo cortejo de acusações bizarras, mas também sabe ser tema de obras de arte, poesia, romance, pinturas, reflexões filosóficas: o preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso. Preguiça e trabalho guardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular.
Para o preguiçoso, "é preciso ser distraído para viver" (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele; exatamente por isso, é acusado de não contribuir para o progresso.
Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, ele deve sentir-se culpado, pagar pelo que não faz.
Mais: pensadores como Lafargue, Stevenson, Bertrand Russell, Jerome K. Jerome, Marx e Samuel Johnson apostaram no desenvolvimento técnico como possibilidade de liberação do trabalho. Erraram: na era da tecnociência, nunca se trabalhou tanto e nunca se pensou tão pouco. Assim, o espírito tende a se tornar coisa supérflua.

O QUE FAZER. Ao pensar sobre o fazer, o ocioso pode prestar um grande serviço e ajudar a responder à velha questão moral: o que devo fazer? Dependendo da resposta, teremos diferentes definições do que seja o homem, a política, as crenças, o saber, nossa relação com o mundo, e, principalmente, nossa relação com o trabalho. A resposta pode nos dizer não apenas o que fazemos mas também o que o trabalho faz em nós.
Hoje, maravilhosas máquinas "economizam" o trabalho mecânico, mas criam novos problemas: primeiro, uma espécie de intoxicação voluntária, isto é, "mais a máquina nos parece útil, mais ela nos torna incompletos" (Valéry).
A máquina governa quem a devia governar; daí decorre o segundo problema, bem mais complexo: tantas potências auxiliares mecânicas tendem a reduzir "nossas forças de atenção e de capacidade de trabalho mental", o que se relaciona à impaciência, à rapidez e à volatilidade nunca antes vistas.
Assim escreveu Paul Valéry (1871-1945): "Adeus, trabalhos infinitamente lentos, catedrais de 300 anos cuja construção interminável acomodava curiosas variações e enriquecimentos sucessivos... Adeus, perfeições da linguagem, meditações literárias e buscas que tornavam as obras ao mesmo tempo comparáveis a objetos preciosos e a instrumentos de precisão!
[...] Eis-nos no instante, voltados aos efeitos de choque e contraste, quase obrigados a querer apenas o que ilumina uma excitação de acaso. Buscamos e apreciamos apenas o esboço, os rascunhos. A própria noção de acabamento está quase apagada".

MONTAIGNE Valéry retoma uma tradição. Lemos em Montaigne (1533-92) que "a alma que não tem um fim estabelecido perde-se. Porque, como se diz, estar em toda parte é não estar em lugar algum". Aqui, entendemos por alma o "trabalho teórico do espírito", potência de transformação. O que leva a alma (espírito) a se perder é o trabalho desordenado.
Habitar o próprio eu, comenta Bernard Sève, é o projeto de Montaigne: viver em repouso, longe das agitações do mundo, retirar-se da pressa do mundo "para se conquistar, passar do negotium ao otium", do negócio ao ócio.
É isso que podemos ler na inscrição que Montaigne mandou pintar nas paredes da sua torre: "No ano de Cristo de 1571, aos 38 anos, vésperas das calendas de março, dia de aniversário de seu nascimento, depois de exercer longamente serviços na Corte (Parlamento de Bordeaux) e nos negócios públicos [...] Michel de Montaigne consagrou este domicílio, este tranquilo lugar vindo de seus ancestrais, à sua própria liberdade, à sua tranquilidade, ao seu 'loisir' (otium)".
Eis que Montaigne recolhe-se ao ócio reflexivo, com um espírito criativo leve e vagabundo. Como escreve Sève, um Montaigne distante das pressões políticas e das injunções do trabalho burocrático, com o espírito já amadurecido, "construído pela vida, espírito prestes ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz". Mas interpretemos com cuidado esse afastamento do mundo.
Se a vida teórica aparece mais compensadora, é porque Montaigne não encontrou na vida prática -social e política-, no Parlamento de Bordeaux, aquilo que buscava. À diferença dos comuns, Montaigne não procurava satisfação no reconhecimento social e político. No ócio, preferiu a busca da verdade às coisas da política.
Sua "contemplação" teórica é discursiva, isto é, transforma-se em atos de pensamento e, portanto, em atividade prática. Nascem aí os monumentais "Ensaios".
 
FOUCAULT . A aliança entre capital, igreja e disciplina militar para regular o trabalho tem história. Em um curso de 1973, ainda não publicado, Michel Foucault (1926-84) narra a institucionalização do trabalho através da "fábrica-caserna-convento" no final do século 19. Ele descreve as regras de uma comunidade fechada de até 400 trabalhadores: acordar às 5h, 50 minutos para toalete e café, trabalho nas oficinas das 6h10 às 20h15, com uma hora para as refeições. À noite, jantar, reza e cama às 21h. Só no sul da França, 40 mil operárias trabalhavam nessas condições.
O trabalhador é fixado no aparelho produtivo, no qual "o tempo da vida está submetido ao tempo da produção". Vemos nessa experiência uma mudança essencial que nos interessa porque se torna mais aguda e determinante no trabalho hoje: "da fixação local a um sequestro temporal". Ou melhor, da ideia de controle do espaço no trabalho à ideia de controle do tempo.
O trabalho sequestrou o tempo. Se, no século 19, o controle do tempo era apresentado ao operário como um "aprendizado de qualidades morais" que, na realidade, significava a integração da vida operária ao processo de produção, hoje o controle é aceito com naturalidade, e até mesmo desejado.
O homem se integra voluntariamente "a um tempo que não é mais o da existência, de seus prazeres, de seus desejos e de seu corpo, mas a um tempo que é o da continuidade da produção, do lucro".
A reivindicação de tempo livre tornou-se quase que palavra de ordem subversiva: "Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo para trabalhar", conclama Pierre Reverdy, citado no prefácio ao livro de Denis Grozdanovitch "A Difícil Arte de Quase Nada Fazer"

TRABALHO CEGO. A mobilização veloz e incessante do trabalho cego não permite ao homem dizer qual é o seu destino e muito menos o que acontece. Ele não dispõe de tempo para pensar e muito menos tem consciência de que seus gestos, no trabalho, produzem muito mais do que os objetos que fabrica.
Há um excedente invisível, entendendo-se por "excedente" tudo o que não é mensurável, que produz catástrofes através do trabalho "normal e produtivo" e se manifesta na poluição, nos desastres ecológicos, no esquecimento e na desconstrução de si.
Como nos lembra Robert Musil em "O Homem sem Qualidades", foi preciso muita virtude, engenho e trabalho para tornar possíveis as grandes descobertas científicas e técnicas, graças aos sucessos dos "homens de guerra, caçadores e mercadores". Tudo isso fundado na disciplina, no senso de organização e na eficácia do trabalho, o que talvez pudesse ser resumido assim: o trabalho mecânico da produção de mercadorias pretende tomar o mundo de assalto, produzindo agitação social e frenesi econômico e consumista, dada a multiplicação de objetos "não naturais e não necessários".
Já o preguiçoso põe-se na escuta de si e do mundo que o cerca.
 
PENSAMENTO. Talvez o mais danoso de todo esse legado para o espírito humano seja a criação de um mundo vazio de pensamento que o ocioso procura preencher. Guardo uma imagem que o poeta e filósofo Michel Deguy me fez ver à janela de seu apartamento, em Paris: um mendigo que dormia 20 horas por dia na escadaria da igreja Saint-Jacques.
Deguy narra essa experiência em um pequeno ensaio com o título "Do Paradoxo": em imagem semelhante, diz ele, também nas escadarias de uma igreja, "a 'Derelitta' de Botticelli está pelo menos sentada, parecendo meditar. Hoje, ninguém medita, como dizia Valéry na figura de M. Teste. Portanto, o mendigo talvez não esteja errado, uma vez que o fato de estar deitado nada muda [...] E quando lembro que Pascal era o pároco da igreja e cuidava dos abandonados, a comparação me perturba: os 'pobres' não são mais como eram -mas os pensadores também não. Portanto, o 'despertar do pensamento'? Nós, você e eu, não queremos dormir. Mas estamos acordados?"
O trabalho técnico, mecânico e acelerado abole o tempo do pensamento, que exige virtudes atribuídas ao preguiçoso: paciência, lentidão, devaneio, acaso -o imprevisto. Em um texto célebre, Valéry nota: "O futuro não é mais como era". Isto é, não há mais o tempo lento do pensamento, momento em que o tempo não contava. Sabemos que é na vida meditativa e lenta que o homem toma consciência da sua condição.
 
SERES OCULTOS. Ora, como escreveu ainda Valéry, o amanhã é uma potência oculta, e o homem age muitas vezes sem o objeto visível de sua ação, como se outro mundo estivesse presente, "como se ele obedecesse a ações de coisas invisíveis ou de seres ocultos".
Essa poderia ser uma boa definição do ocioso. Coisas invisíveis e seres ocultos participando do mundo do devaneio e do pensamento. Mundo do trabalho do espírito, em contraposição ao trabalho mecânico.
As ideias e os valores, lembra-nos Maurice Merleau-Ponty (1908-61), não faltam a quem soube, na sua vida meditativa, liberar a fonte espontânea, não deliberadamente, em direção a fins predeterminados por cálculos técnicos e produtivos. Todo trabalho finito e alienado é pura perda.
Através de uma admirável reversão, o meditativo transforma a desrazão do mundo do trabalho alienado em fonte de razão. Isso porque o trabalho meditativo do ocioso é um trabalho sem finalidade, sem "telos", um trabalho sem fim. O trabalho meditante do ocioso exige muito mais trabalho do que o trabalho mecânico. O trabalho da obra de arte e da obra de pensamento pede um tempo que não pode ser medido pelo relógio.
 
PREGUIÇOSO. Como se pode, então, pensar essa figura que sempre teve péssima reputação? Talvez uma boa definição seja a de um autor inglês, Jerome K. Jerome (1859-1927), em seu livro "Pensamentos Preguiçosos de um Preguiçoso" (1886): "O que melhor caracteriza um verdadeiro preguiçoso é o fato de ele estar sempre intensamente ocupado. De início, é impossível apreciar a preguiça se não há uma massa de trabalho diante de si. Não é nada interessante nada fazer quando não se tem nada a fazer! [...] Perder seu tempo é uma verdadeira ocupação, e uma das mais fatigantes. A preguiça, como um beijo, para ser agradável, deve ser roubada".
Jerome K. Jerome leva-nos a pensar que a preguiça não é coisa passiva. Perder o tempo mecânico dá trabalho e exige enorme atividade do espírito.
O egípcio Albert Cossery é apresentado pela revista francesa "Magazine Littéraire" como o escritor contemporâneo que celebra a preguiça como uma arma de subversão política e como um modo de resistir à impostura das potências. Para Cossery, o exercício da preguiça tem o valor da arte de viver. Mas ele distingue dois tipos de preguiçosos: os idiotas e os reflexivos.
"Um idiota preguiçoso permanece idiota!", escreve. "E um preguiçoso inteligente é quem reflete sobre o mundo no qual vive. Mais você é ocioso, mais tempo você tem tempo para refletir... Esses são os valores da preguiça, que supõe, pois, dupla recusa: nosso mundo imediato e a triste realidade."
Mas o mais radical dos libelos contra o trabalho alienado continua a ser o pequeno ensaio de Paul Lafargue (1842-1911), "O Direito à Preguiça" (1880). "Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a fortuna social e suas misérias individuais; trabalhem, trabalhem, para que, tornados mais pobres, tenham mais razões ainda para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção capitalista".
Para Lafargue, o trabalho é invenção relativamente recente, uma vez que os antigos gregos desprezavam o trabalho e deliciavam-se com os "exercícios corporais" e os "jogos de inteligência". Ele critica a moral cristã ao proclamar o "ganharás o pão com o suor do rosto" e ao lembrar que Jeová, "depois de seis dias de trabalho, repousou por toda a eternidade".
Robert Louis Stevenson (1850-94), na "Apologia dos Ociosos" (1877), mostra que o ócio "não consiste em nada fazer, mas em fazer muitas coisas que escapem aos dogmas da classe dominante".

MELANCOLIA. A tradição relaciona a melancolia e o devaneio à preguiça. Nisso, mais uma vez, igreja e capital estão juntos. O trabalho é o grande meio que a igreja encontrou para lutar contra a melancolia e a vertigem do tempo livre. Seu lema sempre foi "Rezai e trabalhai", ou seja, só abandonar a oração quando as mãos estiverem ocupadas.
Lemos em um ensaio de Jean Starobinski sobre a melancolia -"A Erupção do Diabo-" que o trabalho tem por efeito ocupar inteiramente o tempo que não pode ser dado à oração e aos atos de devoção: "Sua função", escreve ele, "consiste em fechar as brechas por onde o demônio poderia entrar, por onde também o pensamento preguiçoso poderia escapar". Assim, o trabalho interrompe o "vertiginoso diálogo da consciência com seu próprio vazio".
A crítica que Jean-Jacques Rousseau (1712-78) faz ao trabalho não é diferente. Na sétima caminhada dos "Devaneios de um Caminhante Solitário" (1782), ele busca a solidão, mas procura trabalhar tudo o que o cerca, escolhendo o mais agradável. Não escolhe os minerais porque, escondidos no fundo da terra "para não tentar a cupidez", exigem indústria, trabalho, pena e exploração dos miseráveis nas minas.
As plantas não. A botânica é o estudo de um "ocioso e preguiçoso solitário": "Ele passeia, erra livremente de um objeto a outro, passa em revista cada flor... Há, nesta ociosa ocupação, um charme que só se sente na plena calma das paixões, o que basta para tornar a vida feliz e tranquila. Mas, quando se mistura aí um motivo de interesse ou vaidade, seja para ocupar espaços, seja para escrever livros, ou quando se quer aprender apenas para se instruir ou pesquisar as plantas apenas para se tornar professor, todo o charme da tranquilidade se desfaz; [...] no lugar de observar os vegetais na natureza, ocupa-se apenas com sistemas e métodos".
O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores contra o progresso técnico, esta "ilusão que nos cega". Eleger a quietude, o silêncio e a paciência para conhecer e aprofundar indefinidamente as coisas dadas.
Eis o ócio que Karl Kraus (1874-1936) nos propõe: "Se o lugar aonde quero chegar só puder ser alcançado subindo uma escada, eu me recusarei a fazê-lo. Porque lá aonde eu quero realmente ir, na realidade já devo estar nele. Aquilo que devo alcançar servindo-me de uma escada não me interessa".
***
"O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores"

"Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, deve sentir-se culpado"

"O trabalho meditativo do ocioso é sem finalidade, sem "telos", um trabalho sem fim; exige muito mais trabalho do que o trabalho mecânico"

"O trabalhador é fixado no aparelho produtivo, no qual "o tempo da vida está submetido ao tempo da produção". O trabalho sequestrou o tempo"






 

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

perenidade fugaz


nessas minhas andanças interiores
servi-me de cais a muitos navios fantasmas
[exorcismos infindáveis]
tanto quanto a multidão de espectros
sedentos em assombrar a baía desse meu sinistro ancoradouro

a teimosia das sombras extirpou radicalmente
qualquer atrevido raio de luz insistente
que estivesse disposto a espreitar
alguma minúscula fresta de mim
- nunca [para essa angústia] a vida eterna...


Izabel Lisboa





domingo, 31 de julho de 2011

do pensar e do voar
















Steven Kenny

 pachorramente
em nuvens sonolentas
e mornas
pensamentos enluarados
aconchegam-se
e voam
sonham
com a crista das ondas
as asas dos pássaros
e a inclemência gozosa do vento...


Izabel Lisboa



quinta-feira, 21 de julho de 2011

Os olhos de Capitu

Se escrevo...

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"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto." (§12)

(Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares)




 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Joe Cocker - With A Little Help From My Friends (From "Live in Berlin" DVD)

lugar algum



- no oco de carcomidos becos do tempo
no abrigo daquelas sombras ralas e dormentes
ocultam-se impotentes revoltas
- por detrás de lábios secos e frígidos
plasma-se o pior
lubrificam-se orifícios ocultos
de um desejo roto
vasto em tédio e dormência
- se dele arrancado o lacre
em vão desata-se o nó
que ata as luzes da noite
às sombras diurnas
[substratos de um mal estar]

Izabel Lisboa

sábado, 16 de julho de 2011

outros tons


- caixinhas de
lápis de
cor
guardam mais
que a íris
de um arco
- guardam
cores fortes
de despedidas e
nostalgias
- guardam
rabiscos de vida
de um
lilás tão cinza
de um azul tão tristeza...

Izabel Lisboa



quarta-feira, 13 de julho de 2011

Andrômeda


Gustave Dore - Andrômeda


Andrômeda
a vaidade gerou vingança
e sede de devastar...
em oferta de sacrifício
um talismã de carne e sangue
atado ao rochedo em Jaffá...
 Izabel Lisboa



segunda-feira, 11 de julho de 2011

deus está nu


- deus está nu no parapeito do precipício
deus está nu...
- despiu-se de sua divindade
e de sua eternidade...
 - perpétuo penúltimo ato
[estamos salvos]
Izabel Lisboa



sexta-feira, 8 de julho de 2011

Porque não aceitei o prêmio do PNBE






Blog da Professora Amanda Gurgel: http://blogdaamanda.com.br/

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Oi,
Nesta segunda,o Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE) vai entregar o prêmio "Brasileiros de Valor 2011". O júri me escolheu, mas, depois de analisar um pouco, decidi recusar o prêmio.
Mandei essa carta aí embaixo para a organização, agradecendo e expondo os motivos pelos quais não iria receber a premiação. Minha luta é outra.
Espero que a carta sirva para debatermos a privatização do ensino e o papel de organizações e campanhas que se dizem "amigas da escola".

Amanda
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Natal, 2 de julho de 2011

Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,

Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.

Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald's, Brasil Telecon e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.

A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.

Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.

Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.

Saudações,

Professora Amanda Gurgel
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Bravo!!!

E parafraseando Gonçalves Dias:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui Amanda Gurgeiam,
não Amanda Gurgeiam como Lá

Bravíssimo!!!
Izabel Lisboa



quinta-feira, 7 de julho de 2011

Infâncias & Lembranças

[Texto atualizado/reeditado – 07/11/2009]
Conheci no Colégio de freiras, as tais vias pedagógicas à antiga de mandar criança “lavar a boca” quando o desajuizado órgão proferia palavreado de baixo calão; que por descuido nosso, ou não, feriam os ouvidos santos das devotadas mestras. O interessante é o uso que fazíamos disso! Quando entediadas (o colégio só aceitava meninas) com a rígida disciplina de sala de aula proferíamos propositalmente os tais palavrões, para sermos encaminhadas ao pátio no andar inferior do colégio para lavarmos a maldita boca e salvar a alma do fogo da Geena! Bons tempos aqueles! Infringir a “lei” é excitante, e criança sabe bem disso! Chama-se: fazer arte! Perfeito!!! Uma criança arteira é uma criança esperta!
Contei isso para a turma do 8º ano do ensino fundamental onde concluí um de meus estágios vinculados ao curso de Licenciatura em Filosofia, os alunos arregalaram os olhos espantados e nada disseram, provavelmente riram por dentro, afinal esse é um tipo de infração fichinha diante das infrações que ocorrem hoje em dia em algumas escolas!
Não narro esse fato por saudosismo, afinal a violência do “vigiar e punir”, apesar de suas sutilezas, deixou marcas e traumas terríveis incrustados na alma de gerações inteiras. Mas, como disse anteriormente, infringir a lei é excitante. É justamente desse impulso de questionar e transgredir o estabelecido que nascem as revoluções e as significativas mudanças históricas. Há no jovem, e na criança especialmente, uma energia que impulsiona a alterar uma determinada ordem vigente. É próprio da juventude questionar e buscar implantar uma nova ordem permeada por novos valores e desejos de novos horizontes. O ímpeto dos Movimentos Estudantis, por exemplo, sempre foi fator decisivo em inúmeras revoluções no mundo inteiro.
No entanto, essa energia, se canalizada apenas para a violência destrutiva e nada mais, sem ter a reboque uma reflexão politizada que, além de derrubar valores e dogmas vislumbre e construa essa almejada nova ordem, pode levar, não à destruição da ordem vigente que se questiona, mas à própria autodestruição, à implosão daquilo que é imprescindível para saltos qualitativos na história de um povo: a força da juventude.
E pelo andar da carruagem...
Matéria de capa do Jornal A Tribuna de hoje, 07/07/2011:
Pancadaria e ameaça de morte em escolas da grande Vitória.
Um estudante foi agredido por 50 colegas em Cariacica e, em Vitória, uma menina foi atacada por 15 pessoas. Os casos foram parar na polícia. Na Serra sindicato afirma que professores e alunos foram ameaçados de morte.
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Izabel Lisboa


quarta-feira, 6 de julho de 2011

Slavoj Zizek - Entrelinhas 19/06/2011




["Os poetas são perigosos"]
- Slavoj Zizek é professor, sociólogo, filósofo e teórico crítico esloveno. Estudou Psicanálise na Universidade de Paris.
- Blog que reune conteúdo em português de Zizek:
   
http://slavoj-zizek.blogspot.com/ 
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Teoria: o real, o simbólico e o imaginário
O real
Segundo Žižek, o "real" resulta ser um termo bastante enigmático, e não deve ser equiparado com a realidade, uma vez que a nossa realidade está construída simbolicamente; o real, pelo contrário, é um núcleo duro, algo traumático que não pode ser simbolizado (isto é, expressado com palavras). O real não tem existência positiva; só existe como abstracto.
Para Žižek, a realidade pode ser desmascarado como uma ficção; basta ter presente certos aspectos - pontos indeterminados - que têm que ver com o antagonismo social, a vida, a morte, e a sexualidade. Temos que enfrentar com estes aspectos se quisermos simbolizá-los. O real não é nenhuma espécie de realidade atrás da realidade, mas sim o vazio que deixa a própria realidade incompleta e inconsistente. É o espectro do fantasma; o próprio espectro em si é o que distorce a nossa percepção da realidade. A trilogia do simbólico/imaginário/real se reproduz dentro de cada parte individual da subdivisão. Há também três modalidades do real:
  • O "real simbólico": o significante reduzido a uma fórmula sem sentido (como em física quântica, que como toda ciência parece arranhar o real mas só produz conceitos apenas compreensíveis)
  • O "real real": uma coisa horrível, aquilo que transmite o sentido do terror nas películas de terror.
  • O "real imaginário": algo insondável que permeia as coisas como um pedaço do sublime. Esta forma do real torna-se perceptível na película Full Monty, por exemplo, no facto de que na nudez dos protagonistas desempregados, estes devem despir-se por completo; noutras palavras, através deste gesto extra de degradação "voluntária", algo da ordem do sublime se faz visível.
A psicanálise ensina que a realidade (pós-moderna) precisamente não deve ser vista como uma narrativa, mas como o sujeito o há de reconhecer, suportar e ficcionar o núcleo duro do real dentro de sua própria ficção.
O simbólico
Žižek afirma que o simbólico inaugura-se com a aquisição da linguagem; é mutuamente relacional. Assim, sucede aquilo de que "um homem só é rei porque os seus súbditos se comportam perante ele como um rei". Ao mesmo tempo, permanece sempre uma certa distancia no que diz respeito ao real (excepto na paranóia): nem só é louco o mendigo que pensa que é rei, também aquele rei que verdadeiramente crê que é um rei. Uma vez que efectivamente, este último só tem o "mandato simbólico" de rei.
  • O real simbólico é o significante reduzido a uma fórmula sem sentido.
  • O imaginário simbólico qual símbolos jungianos.
  • O simbólico simbólico como o falar e a linguagem como sentido em si.
  • O visor do monitor como forma de comunicação no ciberespaço: como um interface que nos leva a uma mediação simbólica da comunicação, a um abismo entre quem seja que fala e a "posição de falar" em si (p.ex. a alcunha, ou a direcção de correio). "Eu" nunca "de facto" coincido exactamente com o significante, não me invento a mim mesmo; em contrapartida, a minha existência virtual foi, em certo sentido, já confundida com o surgimento do ciberespaço. Aqui cada um, deve chegar a entender-se com uma certa insegurança, mas não pode ser resolvida como num simulacro de contingente pós-moderno.
Aqui também, como na vida social, as redes simbólicas circulam á volta dos núcleos do real, deste modo, as redes simbólicas, são a nossa realidade social.
O imaginário
O imaginário, segundo Žižek, encontra-se situado ao nível da relação do sujeito consigo mesmo. É como o olhar do Outro na etapa do espelho, a falta em esse reconhecimento ilusório, como conclui Jacques Lacan citando a Arthur Rimbaud: "Eu sou um outro" ("Je suis un autre"). O imaginário é a fantasia fundamental que é inacessível á nossa experiência psíquica e se eleva do espectro fantasmático em que encontramos objectos de desejo. Aqui também podemos dividir o imaginário entre um real (o fantasma que assume o lugar do real), um imaginário (a imagem/espectral em si que serve como isco) e um simbólico imaginário (os arquétipos de Jung e o pensamento New Age). O imaginário nunca pode ser agarrado, já que todo discurso sobre ele sempre estará localizado no simbólico.
Todos os níveis estão interligados, de acordo com Jacques Lacan (desde o seminário XX para a frente), numa forma de nó gordiano, como três anéis enlaçados juntos de maneira que se um deles se desenlaçar, o resto também cairia.
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