sábado, 18 de setembro de 2010

PÓS-MODERNISMO

In: http://historiadepernambuco.blogspot.com/2010/08/pos-modernismo.html

Pedro Paulo A. Funari & Glaydson José da Silva. Teoria da História. São Paulo, Brasiliense, 2008


_Muito se tem escrito nas últimas décadas sobre o pós-modernismo. Mesmo conceitualmente, tanto os termos "moderno" e "pós-moderno", e seus desdobramentos, assim como as implicações de seus usos foram objetos das mais diversas análises (Anderson, 1999; Harvey, 1992; Jameson, 1997), não conduzindo essas ao estabelecimen¬to de formulações definitivas a respeito do que venham a ser. David Harley observa que quanto ao sentido do termo, talvez só haja concordância em afirmar que o "pós-modernismo" representa alguma espécie de reação ao "modernismo" ou de afastamento dele. A imensa gama de definições e interpretações a esse respeito leva-nos a tratar do tema aqui de maneira breve e introdutória - pelo que nossa proposição orbita somente algumas reflexões em torno do surgimento de uma dada "condição pós-moderna" em meio ao am¬biente historiográfico.


Para Perry Anderson (1999), a idéia de "pós-modernismo" surge pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma geração antes do seu aparecimento na Inglaterra ou nos Estados Unidos (...), com a pretensão de descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo, tendo co¬nhecido diferentes conotações nas décadas consecutivas no campo da literatura, das artes e das ciências (vide autores anteriormente citados). É a partir da Filosofia, com a pu¬blicação do livro A condição pós-moderna, de Jean-François Lyotard (1924-1998), em Paris em 1979, que a expressão "pós-moderno" ganha força no âmbito das Ciências Hu¬manas. Para Lyotard (1989) "pós-moderna" é a condição do saber nas sociedades mais desenvolvidas, designando a expressão o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do fim do século XIX. Baseado em A. Touraine defende a hipótese de que o saber muda de estatuto ao mesmo tempo em que as sociedades entram na era dita pós-industrial e as culturas na era dita pós-moderna. Essas mudanças trazem em seu bojo novos paradigmas de compreensão dos homens, das culturas e do mundo, e se configuram de maneira similar nos diversos espaços do conhecimento. A natureza do saber não sai intacta nessa transformação geral. Nessa lógica, dois aspectos podem ser entendidos como definidores da chamada "condição pós-moderna" (ambos críticos da racionalidade iluminista):

1) A "incredulidade em relação às metanarrativas".
2) A "morte dos centros".

Ao primeiro aspecto se liga o descrédito dos grandes discursos e metanarrativas explicadores das experiências humanas e do mundo; ao segundo, a desconfiança em face de todos essencialismos definidores e dos sujeitos universais que os acompanham.


A compreensão desses dois pressupostos, comumente postulados pelas várias vertentes pós-modernas, liga-se ao estabelecimento de alguns preceitos entendidos como "modernos", cuja crise é percebida, epistemologicamente, a partir do fracasso de um dito projeto social iluminista. Caracterizado pela crença no racionalismo e otimismo em relação à ciência e à técnica, advinda do Renascimento do XVI e do Racionalismo do XVII, o ideário iluminista fundará a base das diferentes ciências nos séculos seguintes. Em meio a processos de secularização de algumas sociedades européias, em especial a francesa, a razão iluminista irá eleger como alvos de uma crítica contundente o Estado Absolutista e o Cristianismo. Da religião à razão, da transcendência à imanência, essa passagem é associada às idéias de civilização e progresso, que instaurarão binômios como natural e não natural, ciência e espírito, conteúdo e forma, normal e patológico que se cristalizarão nas sociedades ocidentais e embasarão o solo epistemológico das mais diversas disciplinas. A concepção desenvolvimentista e evolucionista forjada em meio a esse ideário irá nortear as nascentes filosofias da história do século XVII, concebidas a partir de idéias que preconizavam o devir da matéria, a evolução das espécies e o progresso incessante dos seres humanos.


Imbuídas de um marcado pensamento teleológico, essas filosofias irão apregoar a orientação da evolução humana para um fim, com vistas para o desenvolvimento de estados sucessórios e ascendentes e a concretização de etapas definitivas e apoteóticas ao findar desse mesmo desenvolvimento. Preocupados em demonstrar a evolução da humanidade por meio de grandes metanarrativas explicadoras das experiências humanas, pensadores como Comte e Marx irão teorizar, em uma perspectiva crivada pela linearidade, etapas sociais do desenvolvimento humano - seja pelos estados teóricos e a física social de um ou pelos modos de produção do outro. Esses grandes modelos explicativos, ao lado de muitas outras interpretações de fundo holístico da sociedade, passam a ser vistos com suspeição no âmbito das teorias sociais; essa desconfiança fundamenta o que se designou de crise dos paradigmas modernos.


O século XX, com todos os seus avanços científicos, explicitará o fracasso do "ideário iluminista", mostrando a utilização nefasta da ciência que, a título de salvamento da humanidade, muitas vezes pôs e ainda põe em risco essa mesma humanidade. O ideal salvador trouxe, em seu rastro, as grandes guerras mundiais, a ameaça atômica, as autocracias, os colonialismos, os imperialismos, os conflitos étnicos, religiosos, econômicos e sexuais das sociedades não resolvidos, problemas ecológicos potencializados, desemprego, violência, acirramento de desigualdades, miséria, entre outros. As benesses do progresso, quando democratizadas, salvaram a muitos, quando não, o que comumente aconteceu, à eleitos, consolidando uma crudelíssima política elitista, excludente, reforçadora dos cortes sociais. Representando a não concretização de um projeto moderno, iluminista, que retiraria a humanidade da barbárie e a inseriria em sociedades civis perfeitas, completas, o mundo contemporâneo é o loeus das incertezas e indefinições, reflexo da não linearidade anteriormente prevista e da pressão cumulativa de eventos históricos.


Ao lado dessa descrença nos grandes discursos que fundamentaram e legitimaram uma "história universal" figura a falência de categorias ligadas a modelos modernos de sociedade, calcados em acepções essenciais ontológicas como família, homem, mulher, classe, entre outros. Modelos oriundos das necessidades de classificação e naturalização que marcaram as bases do conhecimento científico do século XIX europeu.


Corroendo as bases em que se configurou a modernidade, as ciências, hoje, põem em questão o estatu¬to de verdade da epistemologia iluminista, assim como, também, seus modelos racionalizadores. As vertentes pós-modernas são, em grande medida, responsáveis pela irrupção das desessencializações no cenário científico atual, com um interesse manifesto no caráter de pluralidade dos modos de pensar e agir no mundo, das formas de pensamento e de vida, o que marca um rompimento com o tradicional saber positivo. Na esteira de filósofos como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Michel Foucault (1926-1984), Jacques Derrida (1930-2004), principal¬mente, o império da subjetividade assume lugares cada vez mais consolidados em meio às novas epistemologias. Num ambiente intelectual de crise e agonia de modelos empiristas e positivistas, vivencia-se uma crítica contundente à busca pelas origens, ao desejo de verdade histórica e todos essencialismos.
A concepção de verdade iluminista, como algo existente e por ser apreendido, e seus corolários, perde espaço para epistemologias menos pretensiosas que, de uma perspectiva sociocultural, percebe indivíduos e práticas como construções discursivas, conferindo à linguagem e seus meandros importante papel na elaboração dos "fatos" - tanto na esfera da "produção" (de um texto, por exemplo) quanto na da recepção/interpretação. Questões relevantes colocadas pela sociolingüística e pelas diferentes tendências da analítica do discurso (como quem fala? De onde fala? Para quem fala? E como é recebida essa fala etc.) têm auxiliado numa problematizarão maior da idéia de "verdade". Essa concepção discursiva do conhecimento (aqui exemplificada pela tradição textual, mas aplicável aos diferentes suportes documentais para além do texto) é substanciada pela compreensão de uma relação intrínseca entre língua, linguagem e sociedade. Para Helena Nagamine Brandão (1997), nessa relação, o discurso é com-preendido como o efeito de sentido construído no processo de interlocução (opõe-se a uma concepção de língua como mera transmissão de informação). O discurso não é fechado em si mesmo e nem é de domínio exclusivo do locutor, aquilo que se diz significa em relação ao que não se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos.


O lugar ocupado pela linguagem no cenário pós-moderno é, dessa forma, essencial na descentralização dos sujeitos. Não mais "o homem", "a mulher" e "a classe", mas "os homens", "as mulheres", "os indivíduos", "os grupos". Paralelo à falência de velhos modelos normatizadores e essencialistas do humano se dá a constituição de uma história mais democrática, includente, revisionista, mesmo, dos moldes classificadores e domadores do século XIX, instituídos por sujeitos históricos universais europeus, burgueses, colonialistas, brancos, machos e cristãos, que mais não fizeram do que reificar suas próprias experiências. Para o pensamento pós-moderno, grosso modo, a sociedade contemporânea é representativa do esgotamento da modernidade, da desconfiança das verdades absolutas e das grandes generalizações dos discursos totalizantes, tendo feito emergir, às expensas do fim de valores, concepções e modelos tradicionais, outros, e, a partir deles, a constituição de uma nova história, que irá negar a simples relação entre passado e presente, o continuísmo histórico, as origens determinadas e as significações ideais.


Ao postularem a desnaturalização de sujeitos e identidades ontológicos essas novas bases têm contribuído para uma melhor compreensão da pluralidade das experiências, principalmente ao reconhecerem a elaboração de sujeitos e identidades como produtos de forças culturais conflitantes, que operam em meio a jogos de relações de poder marcados pelo conflito. Daí as identidades serem percebidas pela epistemologia pós-moderna como plurais, móveis, diversas, versáteis, descentradas, desunificadas, contrárias, como observou Stuart Hall (2002) à existência de um núcleo interior que emergia pela primeira vez com o nascimento do indivíduo e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou "idêntico" a ele - ao longo da existência do indivíduo.


Na trilha desses pressupostos teóricos, "novos" grupos passam a ser incluídos no discurso histórico; novas problemáticas são colocadas por e em relação a esses grupos, em conjunto com práticas que lhes conferem maior visibilidade e fazem coro a mudanças que se operam no meio historiográfico desde pelo menos os anos 70 do século passado. Para Keith Jenkins (2001), não sendo ligado essencialmente à direita, à esquerda ou ao centro, o pós-modernismo não assume uma característica uniforme. E nem é uma prerrogativa da história. O legado de suas mudanças para o meio intelectual é inegável, visto colocarem para debate, ao menos, os dois focos aqui tratados. Na esteira de muitos valores propugnados pelos pós-modernos segue uma ampla reavaliação de discursos, sejam eles da filosofia, da lingüística, política, arte, literatura ou história, conferindo às ciências humanas uma nova configuração epistemológica; configuração essa na qual a História não tem deixado de se inserir.