quarta-feira, 6 de julho de 2011

Slavoj Zizek - Entrelinhas 19/06/2011




["Os poetas são perigosos"]
- Slavoj Zizek é professor, sociólogo, filósofo e teórico crítico esloveno. Estudou Psicanálise na Universidade de Paris.
- Blog que reune conteúdo em português de Zizek:
   
http://slavoj-zizek.blogspot.com/ 
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Teoria: o real, o simbólico e o imaginário
O real
Segundo Žižek, o "real" resulta ser um termo bastante enigmático, e não deve ser equiparado com a realidade, uma vez que a nossa realidade está construída simbolicamente; o real, pelo contrário, é um núcleo duro, algo traumático que não pode ser simbolizado (isto é, expressado com palavras). O real não tem existência positiva; só existe como abstracto.
Para Žižek, a realidade pode ser desmascarado como uma ficção; basta ter presente certos aspectos - pontos indeterminados - que têm que ver com o antagonismo social, a vida, a morte, e a sexualidade. Temos que enfrentar com estes aspectos se quisermos simbolizá-los. O real não é nenhuma espécie de realidade atrás da realidade, mas sim o vazio que deixa a própria realidade incompleta e inconsistente. É o espectro do fantasma; o próprio espectro em si é o que distorce a nossa percepção da realidade. A trilogia do simbólico/imaginário/real se reproduz dentro de cada parte individual da subdivisão. Há também três modalidades do real:
  • O "real simbólico": o significante reduzido a uma fórmula sem sentido (como em física quântica, que como toda ciência parece arranhar o real mas só produz conceitos apenas compreensíveis)
  • O "real real": uma coisa horrível, aquilo que transmite o sentido do terror nas películas de terror.
  • O "real imaginário": algo insondável que permeia as coisas como um pedaço do sublime. Esta forma do real torna-se perceptível na película Full Monty, por exemplo, no facto de que na nudez dos protagonistas desempregados, estes devem despir-se por completo; noutras palavras, através deste gesto extra de degradação "voluntária", algo da ordem do sublime se faz visível.
A psicanálise ensina que a realidade (pós-moderna) precisamente não deve ser vista como uma narrativa, mas como o sujeito o há de reconhecer, suportar e ficcionar o núcleo duro do real dentro de sua própria ficção.
O simbólico
Žižek afirma que o simbólico inaugura-se com a aquisição da linguagem; é mutuamente relacional. Assim, sucede aquilo de que "um homem só é rei porque os seus súbditos se comportam perante ele como um rei". Ao mesmo tempo, permanece sempre uma certa distancia no que diz respeito ao real (excepto na paranóia): nem só é louco o mendigo que pensa que é rei, também aquele rei que verdadeiramente crê que é um rei. Uma vez que efectivamente, este último só tem o "mandato simbólico" de rei.
  • O real simbólico é o significante reduzido a uma fórmula sem sentido.
  • O imaginário simbólico qual símbolos jungianos.
  • O simbólico simbólico como o falar e a linguagem como sentido em si.
  • O visor do monitor como forma de comunicação no ciberespaço: como um interface que nos leva a uma mediação simbólica da comunicação, a um abismo entre quem seja que fala e a "posição de falar" em si (p.ex. a alcunha, ou a direcção de correio). "Eu" nunca "de facto" coincido exactamente com o significante, não me invento a mim mesmo; em contrapartida, a minha existência virtual foi, em certo sentido, já confundida com o surgimento do ciberespaço. Aqui cada um, deve chegar a entender-se com uma certa insegurança, mas não pode ser resolvida como num simulacro de contingente pós-moderno.
Aqui também, como na vida social, as redes simbólicas circulam á volta dos núcleos do real, deste modo, as redes simbólicas, são a nossa realidade social.
O imaginário
O imaginário, segundo Žižek, encontra-se situado ao nível da relação do sujeito consigo mesmo. É como o olhar do Outro na etapa do espelho, a falta em esse reconhecimento ilusório, como conclui Jacques Lacan citando a Arthur Rimbaud: "Eu sou um outro" ("Je suis un autre"). O imaginário é a fantasia fundamental que é inacessível á nossa experiência psíquica e se eleva do espectro fantasmático em que encontramos objectos de desejo. Aqui também podemos dividir o imaginário entre um real (o fantasma que assume o lugar do real), um imaginário (a imagem/espectral em si que serve como isco) e um simbólico imaginário (os arquétipos de Jung e o pensamento New Age). O imaginário nunca pode ser agarrado, já que todo discurso sobre ele sempre estará localizado no simbólico.
Todos os níveis estão interligados, de acordo com Jacques Lacan (desde o seminário XX para a frente), numa forma de nó gordiano, como três anéis enlaçados juntos de maneira que se um deles se desenlaçar, o resto também cairia.
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sábado, 2 de julho de 2011

Paco de Lucia - Entre dos Aguas

celeiros abarrotados


e quem te pediu o sol
para inquietares tu'alma
e a chuva
para perderes o tino
e quem te pediu o vento
para estremeceres em sobressaltos
e o céu
para importunares os deuses
nada te foi pedido
nada me foi negado
sobre todos velam os deuses
com brandura...e com furor
a cada um: fardos e dádivas
árvores serão eternamente prisioneiras do solo
e do fogo quando esse se alastra...
mas...a cabeleira do vento dança
sobre a magnífica copa das árvores
e carrega sementes e faz promessas...
em metáforas de liberdade
rege a orquestra da natureza em regozijo
mas...assusta e faz calar tambores...

Izabel Lisboa

segunda-feira, 27 de junho de 2011

da visão



Não me canso de lançar a vista até onde a vista alcança
Vejo chegar de lá estrondosos ecos de adormecidos sonhos...
A nostalgia vem junto aguar as sementes

Izabel Lisboa









pintor_iraniano/ imagem google


sábado, 25 de junho de 2011

dos meus (des)equilíbrios...e paradoxos



amo a imensidão do desconhecido cuja metáfora o mar e a poesia encarnam
amo o amálgama com que o poeta entrelaça e vivifica as palavras
a trama dos arranjos com que dispõem no poema os versos
sim eu amo...e disseram-me que há um enorme perigo em amar assim
- a alma dos poetas trilha a bamba corda dos habilidosos (des)equilibristas
a ginga do cai não cai dos malabaristas e trapezistas...
[ai de mim...que almejo a lua...mas tenho pavor das alturas]

Izabel Lisboa



sexta-feira, 24 de junho de 2011

Quero você...

por Paulo Jonas de Lima Piva

Quero você perigueti. Quero você perigueti sim, o máximo de perigueti que você conseguir ser. Quero você perigueti também. Com minissaia, com microshort e decote, vestido curto apertado, com a barriga de fora e o peircing do umbigo fazendo o universo girar em torno dele. Quero você maquiada, perfumada, os cabelos selvagens, tudo em exagero. Esqueça o pudor. Quero você com aquele batom, aquele que depois de bêbada faz você deixar pistas. Essa tribal nas costas, esse beija-flor na cintura, pode deixá-los à mostra. Essa fadinha no pezinho, os dedinhos... deixe-os respirar nus, do alto de um salto. Essa tornozeleira, engatilhe-a. Ria do jeito que você quiser. Dance seu funk moralmente descansada. Desça na boquinha da garrafa soberana.  Pisque e sorria da maneira mais fatal. Seduza, mostre a língua, morda os lábios, faça charme, doce. Seja coquete, vulgar, afinal, você já leu Nietzsche e Blake em demasia, passou anos no mofo das bibliotecas, perdeu horas demais longe do espelho...

Adriana Calcanhoto - Uns versos

quinta-feira, 23 de junho de 2011

verso tanto / tanto verso


 


verso sonso
tonto verso
verso pranto
e acalanto
verso novo
velho verso
verso ninho
e passarinho
verso reto
torto verso
verso louco
e natimorto
verso canto      
decanto verso
verso manto
e pirilampo
verso espanto
manso verso
verso santo
e sacrossanto
verso (in-)verso
invento verso
verso penso
o universo

Izabel Lisboa

Eric Clapton- Wonderful Tonight

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Vento no Litoral

dias de vento

cabelos ao vento/por Maria R. Vilela

aguardo pacientemente
     por aquela rajada de
                      vento norte
      que pelos cabelos me
                     agarre forte
  e me arranque à força
 das garras da inércia...

                  Izabel Lisboa



sexta-feira, 17 de junho de 2011

anjo puro...anjo indecente

anjo - imagens Google
num desses dias assim ele me apareceu
dias azuis
azuis turquesa
trazia seu céu
dizendo com alma a sorrir
que aquele céu era meu

linguagem inaudita era a sua
proscrita indecente e bem dita
qual silêncio de sereia
que seduz mais que seu canto
e conduz o feliz delirante
a se entregar desejante

como não dar-me inteira
ao meu puro e doce anjo do amor
como não dar-me inteira
ao meu puro
doce e indecente
anjo do amor...

deixou em mim o seu cheiro
doce perfume de eros
gotas e gotas de amor
bálsamo eficaz curador
tirou-me a dormência da alma
tirou-me o terrível torpor

Izabel Lisboa


terça-feira, 14 de junho de 2011

COMO DEIXAR DE RESPIRAR PELAS PALAVRAS

Por António Cabrita

Escritor e jornalista português, residente em Maputo/Moçambique
In: http://raposasasul.blogspot.com
***
(«Quando um indivíduo perde contacto com o universo mítico, encontrando-se a sua existência reduzida ao domínio dos factos, a sua saúde mental encontra-se em grande perigo», Jung)
A literatura é um «fazer-mundo» e não um mero patamar para o entretenimento.
Por isso Gabriela Llansol não é ensinada nas escolas. Não é possível fazê-lo. Não é possível dar aulas sobre Herberto Helder, ou sobre o Fluxo-Floema de Hilda Hilst. A dificuldade de pegar em António Ramos Rosa ou em Vicente Franz Cecim decorre de serem autores que abrem janelas para «outra realidade», e segui-los obriga a um gaguejar. Que professor de literatura admite o atrito nos seus patins? Não há aporias para o professor de literatura, que amêndoa todas as palavras na sua língua até ficarem inteligíveis.
Daí que nas festas da Comunidade Portuguesa, no dia 10 de Junho, pelo mundo, se continuem a VOMITAR poemas de Régio e Torga, de Sophia e de Jorge de Sena. Coitada da Sophia, que odiaria que em seu nome silenciassem a sua filha, Maria Andresen, excelente poeta, mas que coitada sofre do crime de só ter começado a editar há dez anos. E o Sena não tem culpa de ser misturado entre o Fado da Canoa e as danças de salão pelos representantes de um povo que não o respeitou nem entendeu em vida e a quem ele devidamente azucrinou em O Reino da Estupidez. Mas como os responsáveis das festas do 10 de Junho não o leram… continuam a abusar-lhe da paciência.
Vem isto a propósito de como me subiu a mostarda ao nariz quando uma amiga, inocentemente, me perguntou, visto que eu escrevia com facilidade (outra ilusão a fustigar um dia destes), porque é que eu não escrevia “adaptações de clássicos”.
Primeiro ter de explicar que não se macaqueia o Dickens, o Homero ou a Agustina Bessa Luís, é um cansaço.
O que nos separa, a mim e à minha amiga, é um defeito de geração. Ela é séria, amiga, boa professora e uma leitora atenta, mas já cresceu numa geração em que a literatura não é uma vaca sagrada mas apenas um modo de contar histórias. Enquanto para mim é absolutamente e ainda uma vaca sagrada, um modo de respirar, uma gnoseologia. Uma vaca sagrada entrega-se à brincadeira como nenhuma outra – mas nessa brincadeira está em auto-reflexão e não em lassidão auto-complacente.
Hesito entre os filósofos que, como Leibniz, diziam que deus está no detalhe, e os que prescrevem que é a arte que está no detalhe. Ou antes, hesitava: agora escolho o detalhe.
A arte de Dickens, Homero ou Agustina está no detalhe, no desenho da tubulação em que conectam derivação e mito. É aí que se tornam trans e paradoxalmente se distinguem uns dos outros. O resto é a trama, a anedota – cuja suficiência, embora não pareça, não faz a literatura, tal como no cinema uma boa história não garante um bom filme.
Como é que se faz uma adaptação? Metendo a plaina no veio, matando o pormenor, o devaneio, para restituir intacta, num terço das páginas, o fio da trama.
Ademais, a literatura não é uma lotaria de sinónimos, mas aquilo a que Gadamer chamava, ironicamente, «a palavra conformada», para sublinhar que uma conformação desenvolve a sua própria forma, que emana de dentro e se apresenta aí (no texto, no poema) como ela mesmo e só ela mesmo, o que está no oposto da construção, que se faz de fora para dentro, consoante um plano, pelo que é indiferente usar um tijolo ou outro.
Experimente-se mudar um sinónimo numa novela de Raduan Nassar, num livro de Borges Coelho. A frase desmancha-se, só existia em função dessa formulação, como na antiga proporção áurea. Já é indiferente num best-seller. Pode-se pegar na informação contida numa página de Dan Brown e mudar tudo, tanto fazia escrever assim ou assado. Uma vez fiz este exercício numa sala de aula de português com um livro da Colecção Uma Aventura, de Isabel Alçada… Reescrevi completamente a primeira página do livro. E no fim perguntei à professora de português, que estava presente, como é que ela esperava transportar os alunos para o entusiasmo da língua apoiando-se em livros onde a narração se serve de palavras absolutamente desmotivadas, tão desmotivadas que todas se podem substituir por sinónimos. Nunca mais fui convidado para falar de literatura nas escolas, enquanto a Isabel Alçada continua no currículo das escolas portuguesas. Pior: a Isabel Alçada continua a ser responsável (ou era-o antes de ser ministra) pelos livros que entram ou não no Plano Nacional de Leitura. Talvez me falte ambição para ser ministro…
Mas continuando, bem sei que existem pilhas, colecções de resumos, de adaptações, que há editoras que vivem disso – e as escolas promovem-nas, sem que haja um professor que venha à boca de cena explicar que, primeiro é desonesto, e que, segundo, a única vantagem em ler os resumos de As Metamorfoses de Ovídio é a de deixar de respirar pelas palavras.
E esta não é uma matéria de opinião.
Deixar de respirar pelas palavras pode ser uma forma de entrar no princípio da realidade mas paralelamente mata a ciência com que a literatura nos obriga a respirar em todos os elementos, mediante o detalhado escafandro das palavras. Porque a literatura, meus queridos professores de português, não é o guarda-chuva mas o dilúvio.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

do lodo...a flor


salve arte poética
que brota dos esgotos
dos ralos
das fossas existenciais
***
uma roseira há de brotar do lodo
lírios haverão de florir no limbo
um jardim surgirá do lixo
flores miúdas cobrirão o escorregadio limo
***

ah! poesia salvífica!
faxineira bendita das almas
dos poetas ditos malditos
das meretrizes devassas
***
poesia carpideira
que vela sobre almas moribundas
que penetra frestas e rachaduras
de feridas abertas sem brandura
***
salve arte poética adubada pela dor...!

Izabel Lisboa


sábado, 11 de junho de 2011

Como ensinar literatura

Por Urariano Mota.

Vocês perdoem, por favor, o título pretensioso. Por isso, corrijo um pouco. Deveria ter escrito “Como ensinar literatura para alunos colegiais”. Mas isso ainda é muito. Então esclareço desde já: tentarei escrever alguma coisa sobre a minha experiência com literatura para estudantes. E passo a anotar duas ou três coisas.
Em minhas – na falta de melhor nome – aulas, a primeira coisa que aprendi foi que não se deve falar de literatura como um produto que sai dos livros. Deixe-se isso para os professores de cursinhos, que pensam ensinar enquanto põem o pobre do estudante a decorar nomes, datas, movimentos e obras principais. Isso não é literatura, não serve à literatura, nem serve ao conhecimento. Serve a um sistema estéril e formador de burros. Não se deve jamais falar de literatura com esse nome cheio de pompa e reverência, A Literatura. Fale-se da vida, dos problemas vividos por todos nós, velhos, jovens, crianças, homens, mulheres, animais e gente. Se não for assim, será mais pedagógico contar anedotas da tradução popular de Bocage e de Camões, em lugar dos livros desses excelentes poetas.
Só se deve falar sobre aquilo que apaixona a gente. Por favor, se o professor não descobriu a lírica de Camões, se não maturou no peito Manuel Bandeira, se não vê a beleza de Ascenso Ferreira, se não é capaz de curtir e amar Machado de Assis, se não se emociona até as lágrimas com Lima Barreto, por favor, mantenha distância desses criadores. O silêncio sobre eles fará um dano menor que a citação burocrática. Melhor para o mestre seria cantar Roberto Carlos, equilibrar mesas na ponta do nariz, imitar cornetas com um pente sobre a boca, fazer graça com arrotos cavalares. Seria mais pedagógico.
Um autor deve ser apresentado a partir de um problema, vivido por todos nós. Ora, se querem saber, nada como o conto “Missa do Galo”, de Machado, para todos os adolescentes. Eles entenderão até a última linha, vírgula e pontinho das reticências. Eles vão respirar todos os movimentos implícitos e insinuados da conversa da mulher solitária com um jovem. Eles são esse jovem. Eles sonham com essa noite ideal em que os espere uma senhora sozinha. Elas compreendem esse jovem e essa mulher. O conto tem todos os elementos de promessa de sexo e conflito com o pecado antes de uma missa devota.
Os contos, quando lidos, devem ser muito bem lidos. Quero dizer, com pausas, entonações, vozes, risos, pulos – o que o diabo achar necessário – como um ator de rádio. Isso quer dizer que o professor comanda a narração, faz uma leitura prévia, e pede para que ela continue em volta. Digo que começa com o professor porque nas escolas se perdeu o necessário e fundamental hábito de leitura em voz alta, todos os dias. Então é comum que um jovem estudante não saiba o valor de um ponto, de uma exclamação, de uma vírgula, de uma pausa – o valor ponderado de uma palavraem determinado contexto. Comopoderão entender a maravilha de Manuel Bandeira, na infância com o coração a bater, se não souberem que a moça nua lhe fez o primeiro… ALUMBRAMENTO?
Mas entendam, a dramatização dos textos nada tem de dramático. Quero dizer, nada é artifício, artificioso, operístico, melodramático, falso. Ou se fala do que se conhece e do que se vive ou não se fala. Ponto. Deve-se falar do amor, sempre. E nisso não vai nenhum romantismo. Deve-se falar do amor, sempre, porque toda obra é a sua busca ou a sua negação, a sua falta ou plenitude. Mesmo quando se fale da guerra, da violência mais brutal, não se pode esquecer que os meninos no tráfico, por exemplo, amolecem como flores diante de suas mães. Que o bandido mais cruel é capaz de virar o mais perfeito idiota ante a mulher – ou o homem – por quem tenha amor.
Apesar de até aqui ter falado de minha própria experiência, devo terminar com duas coisas ainda mais pessoais. Primeira: não consigo até hoje falar de Andersen com profissionalismo, isenção e distância, quando me refiro ao conto “A pequena vendedora de fósforos”. Aquela trajetória da pequena menina que sai a vender fósforos em uma véspera de Ano Bom, nas ruas geladas de uma cidade, que vislumbra pelo vidro embaciado das janelas a ceia posta nas casas burguesas e com profunda fome fica encantada… sei não. E me fere mais, e aí não consigo ir adiante, quando Andersen realiza aquela imagem extraordinária: enregelada, morta, a pequena vendedora sobe “em um halo de luz e de alegria, mais alto, e mais alto, e mais longe… longe da Terra, para um lugar, lá em cima, onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo”. Esse é um conto que por várias vezes tentei ler em voz alta, em aulas de português para adolescentes pobres, e por mais de uma vez não consegui. Eu lhes dizia: “adiante”, e me virava para a lousa.
Segunda. Certa vez, li para alunos com idades em torno de 11 anos o meu conto Daniel. Claro, expurguei os termos mais fortes, chulos, grosseiros. Quando eu li
“Da turma, Daniel era o mais gordo. Ainda que sob protestos, ele crescera pelos lados, elastecendo um círculo de carnes. Em seu rosto largo destacavam-se sobrancelhas peludas, que se uniam simetricamente num ponto de inflexão, ficando a sobrancelha esquerda e a sobrancelha direita ligadas como asas dum pássaro, movendo-se no espaço da fronte”, na sala não se ouvia um só riso, apenas respirações ofegantes. Então eu ia para o quadro e desenhava as sobrancelhas, à Monteiro Lobato, para eles verem. Depois, já ao fim, quando acrescentava que Daniel raspara aqui e ali o seu estigma, e que “a cirurgia dera nascimento a dois pontos de interrogação deitados, quase dois acentos circunflexos incompletos, sem acomodação”, voltava ao quadro para desenhar os dois pequenos ganchos que ficaram no lugar das sobrancelhas do personagem.
O melhor digo agora no fim. Vocês não vão acreditar no lirismo de que é capaz a infância. Os meninos rebatizaram o conto.Em lugar de Daniel, eles me pediam sempre para ouvir, de novo, “O menino-passarinho”.

***
Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.





domingo, 5 de junho de 2011

auto condescendências


ir além do cênico e
de bom grado
em meio à morte diuturna
beber a vida
como água[ardente]
como puta condescendente
embriagada
louca e indecente
abundando-se em riscos e risos
subvertendo-se
em delírios poéticos
bendizendo o sim...
[consequências do eu exilado
quando se aprende
que a morte é frígida]

Izabel Lisboa

sábado, 4 de junho de 2011

A METAMORFOSE (FRANZ KAFKA)

[um olhar]

Em sua obra, A Metamorfose, Franz Kafka delineia a condição de desamparo e deslocamento existencial com as quais os seres humanos, uns mais intensamente, outros menos, uns com mais freqüência, outros nem tanto, se deparam no percurso de suas vidas.
Com Kafka e sua A Metamorfose percorremos a dimensão deserta da alma humana, vislumbramos através do olhar do escritor o irracional, dimensão que extrapola a ratio. Essa dimensão deserta que se expande na alma pode ser experimentada como sentimentos de vazio, inquietação, e obscuridade interior. O ser humano, mergulhado nessa experiência, experimenta na vida ordinária, através dos vários relacionamentos que trava em família, no ambiente de trabalho, enfim, em sua convivência social, uma profunda insegurança, não encontrando, psiquicamente e emocionalmente, apoio, amparo algum, sente-se “deslocado”.
E como um ser deslocado, independente do espaço físico em que vive, experimenta a condição de estrangeiro numa terra árida, terra que não lhe pertence nem o acolhe. No caso especifico do protagonista da novela, Gregor, esse deslocamento se dá tanto no âmbito familiar, como no social. No âmbito familiar é fundamental a presença opressora do pai, figura por demais austera que lhe incute medo e frustração. No âmbito social o personagem é massacrado por um sistema burocrático, opressor, que praticamente reproduz em Gregor os mesmos sentimentos de medo e frustração que são experimentados através da figura paterna. Duplo deslocamento, duplo desamparo.
“Quando certa manhã Gregor Samsa despertou [...]” (p.1). Profundamente significativo é o despertar de Gregor. Após esse despertar o protagonista se vê transformado em um terrível e asqueroso inseto. O inseto que sempre fora e não se dava conta. Gregor arrastava como um enfadonho peso uma vida tão monótona e vazia, como a vida de um insignificante inseto. Caixeiro viajante, provedor das necessidades da família, explorado e humilhado pelo patrão calculista e arbitrário, sem perspectiva alguma de um salto qualitativo e significativo em sua medíocre existência de inseto disfarçado de ser humano. Se vê trancafiado. Mais do que dentro de um diminuto quarto, encontra-se trancafiado dentro de si mesmo. Impressiona sua dificuldade de locomoção, sua dificuldade de alto-reconhecimento e adaptação ao corpo daquele estranho inseto. A princípio, e mesmo durante todo o desenrolar da novela, Samsa não se adapta ao estranho corpo, locomove-se desajeitadamente, “mudar de direção” lhe é terrivelmente penoso, machuca-se e fere-se com freqüência. Essa inadaptação desconfortavelmente nos parece familiar. É como que o retrato do desconforto que ordinariamente experimenta o homem. Não qualquer homem, mas aquele que se vê enredado por uma vida sem sentido, aquele que desperta, como Samsa, e enxerga horrorizado sua real condição de estrangeiro, de refém de uma paralisia que o aprisiona dentro de si mesmo. Homens que experimentam um profundo desespero ante o absurdo da existência que não comporta sentido.
É necessário espaço. Isso é imediatamente percebido e providenciado pela irmã e pela mãe de Gregor, ávidas por darem uma condição de vida mais digna para aquele medonho ser para o qual nem podiam olhar. Adiantam-se a retirar do quarto de Gregor tudo o que não é mais necessário. Necessário, apenas, é o velho sofá, esconderijo propício, esconderijo psíquico para um rastejante inseto... Espremido sobre aquele familiar esconderijo Gregor “passa seus dias”. O quarto vazio não fez o efeito desejado, ao contrário, acentua o vazio existencial, envolve Gregor em profunda melancolia. Sente-se cada vez mais solitário. Seu contato com a família limita-se a escutar furtivamente atrás da porta suas conversas na sala de jantar ao lado de seu quarto. É rejeitado pela família por ser frágil, diferente e repulsivo. Ao se dar conta de que ninguém mais se aproxima dele, nem mesmo sua irmã, que a princípio demonstrava solicitude para com ele, Gregor deixa-se morrer lentamente. Morre de solidão, abandono e tristeza.
Após sua morte é desconcertante observar certo alívio por parte da família, que já estava prestes a, de alguma forma, livrar-se do incômodo traste.
Interessante notar que apesar de o texto de Kafka estar repleto de elementos universais, isto é, que dizem respeito a características encontradas nos seres humanos em geral, a experiência descrita em A Metamorfose refere-se a um momento histórico específico, ou seja, é algo pessoal vivido pelo autor. Se conferirmos os vários resumos bibliográficos existentes sobre o autor veremos que impressiona a semelhança existente entre o personagem protagonista de A Metamorfose, Gregor Samsa, e o autor da obra, Franz Kafka:

"Romancista novelista e contista austríaco judeu nascido em Praga, então pertencente ao império austro-húngaro e hoje capital Checa, um dos mais admirados e traduzidos intelectuais da literatura mundial, cujas obras tornaram-se proféticas das perseguições que os judeus passaram a sofrer poucos anos após sua morte. Filho de um pequeno comerciante teve infância e adolescência marcadas pela figura dominadora do pai, para quem apenas o sucesso material contava. Estudou direito na Universidade de Praga (1901-1906), onde conheceu seu grande amigo e posterior biógrafo, Max Brod. Começou então a freqüentar os círculos literários e políticos da pequena comunidade judaico-alemã, na qual circulavam idéias e atitudes críticas e inconformistas, com que se identificava. Na sua formação intelectual tiveram peso especial a leitura de Heinrich Von Kleist, Flaubert, Pascal e Kierkgaard e o ambiente de Praga, cidade medieval gótica dotada de elementos eslavos, alemães e de barroco sombrio. Concluído o curso, empregou-se (1908) numa companhia de seguros, como inspetor de acidentes de trabalho e viveu obscuramente e inconformado como empregado, pois o mesmo o impedia de se dedicar totalmente à atividade literária. Com uma série de fracassos amorosos, entregou-se ao sentimento de solidão e desamparo que nunca o abandonaria. Escreveu seu primeiro livro, Beschreibung eines Kampfes (1909), publicado na íntegra postumamente (1936), onde ele próprio manifestou essas circunstâncias. Suas obras-primas seriam Der Prozess (1925) e Das Schloss (1926), publicadas postumamente por Max Brod. Durante sua vida nunca conseguiu atingir grande fama com seus livros, porém o escritor deixaria uma obra literária que teria enorme influência sob as futuras gerações e que é cultuada por quase todo o planeta. Atacado pela tuberculose (1917) submeteu-se a longos períodos de repouso.
Deixou definitivamente o emprego (1922) e, excetuadas breves temporadas em Praga e Berlim, passou o resto da vida em sanatórios e balneários. Vinte anos após sua morte em um sanatório, em Kierling, perto de Viena, onde se internara, conquistou inédito prestígio mundial. Com um estilo sobriamente realista, alguns críticos consideram suas obras como símbolos do comportamento humano. Como escritor tcheco de expressão alemã, vários de seus livros foram transformados em filmes [...]. Contra o desejo expresso do escritor, que queria que seus inéditos fossem queimados após sua morte,
Max Brod publicou romances, textos em prosa, correspondência pessoal e diários. Sua obra teve profunda influência sobre movimentos artísticos como o surrealismo, o existencialismo e o teatro do absurdo. [...]"

A Metamorfose é profundamente exuberante em sua simbologia. Coloca o leitor diante do assombro e da estranheza da condição humana e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, diante da docilidade, ou mesmo resignação e falta de assombro (ou seria uma forma de revolta?) com a qual alguns homens aceitam tal estranheza e desamparo.
Complicado seria tentar desvelar, de forma radical e unilateral, o significado de tão densa e rica simbologia contida na referida obra. Albert Camus, poeta do absurdo, com extrema lucidez observa:
.
"A Metamorfose, [...], representa certeiramente a terrível iconografia de uma ética da lucidez. Mas é também produto do assombro incalculável que o homem experimenta ao sentir o animal em que ele se transforma sem muito esforço. Nessa ambigüidade fundamental reside o segredo de Kafka. Essas vacilações perpétuas entre o natural e o extraordinário, o indivíduo e o universal, o trágico e o cotidiano, o absurdo e o lógico se apresentam ao longo de toda a sua obra e lhe dão ao mesmo tempo sua ressonância e sua significação. São paradoxos que é preciso enumerar, contradições que é preciso reforçar para compreender a obra absurda.Um símbolo, de fato, supõe dois planos, dois mundos de idéias e de sensações, e um dicionário de correspondências entre um e outro. Esse léxico é o mais difícil de estabelecer. Mas tomar consciência dos dois mundos presentes significa enveredar pelo caminho de suas relações secretas. Em Kafca esses dois mundos são da vida cotidiana, por um lado, e a inquietude sobrenatural, por outro lado.
Parece que assistimos aqui a uma interminável exploração da frase de Nietzsche: “Os grandes problemas estão na rua”.
Na condição humana, e isto é lugar-comum de todas as literaturas, há uma obscuridade fundamental ao mesmo tempo que uma implacável grandeza. Ambas coincidem, como é natural. Ambas refletem, repitamos, no divórcio ridículo que separa as nossas intemperanças da alma e as alegrias perecedouras do corpo. O absurdo é que a alma desse corpo o ultrapassa tão desmedidamente. Para representar esse absurdo, será preciso dar-lhe vida num jogo de contrastes paralelos. Assim Kafka expressa a tragédia pelo cotidiano e o absurdo pelo lógico. (Camus, 2007, p.147/148)."

Mais justo, talvez, fosse lançarmos um olhar sobre A Metamorfose, de Franz Kafka, buscando focar puramente o aspecto estético, vislumbrando, no entanto, como sugere Camus, a cumplicidade secreta que une no trágico o lógico e o cotidiano.
De que homem Kafka fala? Quais são seus arranjos? Como descrever esse homem antropologicamente?
Franz Kafka, pensador Absurdista, utiliza-se do Realismo fantástico, recurso literário rico em simbologia e pontilhado pelo fantástico e pelo absurdo, para falar da dimensão humana e de uma antropologia construída através de uma realidade cotidiana em que “o autor esteve lá” e esse é o diferencial que marca a dimensão antropológica de Franz Kafka. Ele fala do que viveu e experimentou. O que Kafka escreveu não está somente em seu imaginário, toda a simbologia da obra refere-se a um fantástico verdadeiro, ou seja, a construção de sua ficção se faz a partir do vivenciado, a partir de sua própria experiência de vida, de sua história com sua família, da influência da região geográfica onde está inserido (ambiente de Praga, cidade medieval gótica dotada de elementos eslavos, alemães e de barroco sombrio), como também das nuances sociais que o circundam. O resultado dessa veracidade latente é que a trama nos atinge em cheio, nos faz refletir sobre nosso mundo, comparando-o com o mundo do outro, questão básica da antropologia.
Ao utilizar como argumento central da novela uma metamorfose pela qual passa um caixeiro viajante, que, da noite para o dia, transforma-se em um inseto, Kafka demonstra que o corpo humano é muito mais que a soma de seus órgãos. Pela via do sofrimento [poderia ter sido pela via da satisfação] Gregor toma consciência que tem um corpo. Porém, por causa de todas as vicissitudes sofridas, a consciência que Gregor tem de seu corpo é profundamente distorcida e ele não o vê com características de um corpo humano, mas se vê como um estranho inseto. Essa metáfora central na obra aponta para o fato de que o corpo, sem dúvida, é parte significativa na experiência existencial humana e, muitas vezes, instrumento da expressão da “vida emocional” de seu dono(a). Ou seja, para além das leis mecânicas, fisiológicas, bioquímicas, etc., o corpo é palco onde são representados muitos dos conflitos existenciais. Portanto, comporta uma linguagem, a linguagem corporal.
Resta-nos fazer, diante das semelhanças entre protagonista e autor, uma importante comparação entre os diferentes rumos e escolhas feitas por ambos:
O que Gregor Samsa faz quando desperta para sua existência medíocre como a de um insignificante inseto? Deixa-se morrer, vítima de sentimentos de inquietação, culpa e isolamento. Ou seja, fecha-se e assim definha até a morte. Morte que, em sentido figurado, já experimentava em vida.
O que faz Kafka quando passa em sua vida cotidiana pelo mesmo despertar? Desenvolve, e é impulsionado a desenvolver, o processo criativo. Em seu caso específico, a literatura.
Portanto, apesar das experiências de vida do protagonista e do autor coincidir, os arranjos que fazem vão em direções opostas: o primeiro fecha-se e morre, o outro, o autor, abre-se e transcende para o processo criativo inerente a dimensão humana.


Concluo confessando que a obra me fascinou e perturbou profundamente. Afinal, não é tão raro fazer a experiência de despertar pela manhã, de vez em quando, sentindo-se um asqueroso e medonho inseto?!

Izabel Lisboa


BIBLIOGRAFIA
KAFKA, Franz. A Metamorfose / Um Artista da Fome / Carta a Meu Pai. São Paulo: Martin Claret, 2004.
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo: Apêndice: A esperança e o absurdo na obra de Franz Kafka. 4, ed. Rio de janeiro: Record, 2007.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

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Não é a nostalgia de um amor que nos faz enamorar, mas a convicção de não termos nada a perder tornando-nos aquilo que somos; é a perspectiva do nada à nossa frente. Só então se constitui dentro de nós a disposição para o diverso e para o risco, aquela propensão de nos lançarmos no tudo ou nada, que os que estão de qualquer modo satisfeitos com o próprio ser não podem experimentar.


Francesco Alberoni
(sociólogo e jornalista italiano)



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domingo, 29 de maio de 2011

Decadence avec elegance

Formada em Serviço Social trabalhei seis anos na profissão. Constatado o fato de estar pagando para trabalhar, já que o salário era, e ainda é, uma merreca, larguei a canoa furada: o idealismo não dava para pagar a creche do meu filho.
Parti para o ramo do comércio, no qual fiquei dez anos.
No começo, quando trabalhava no chamado mercado informal, o leite da minha vaquinha deu até para comprar um Fusca, uma fofura de carrinho! Aí resolvi legalizar o negócio: abri uma loja. Resultado desastroso: a minha vaquinha juntamente com o meu fusquinha e a minha saúde foram para o brejo. E esse brejo tem nome: carga de impostos – uma carga cruel! Quebrei...a cara e o negócio!
Resolvi voltar a Academia para uma reciclagem na fuselagem, isso para um possível retorno ao famigerado (para uns), repulsivo (para outros) e cobiçado (por todos) mercado de trabalho. Optei pelo curso de Licenciatura em Filosofia.
O problema é que tenho sido invadida por uma leve e incômoda impressão de que essa nova vaquinha está tomando um rumo muito estranho! Afinal, a Filosofia não é vaca leiteira para dar lucro ou algum tipo de retorno financeiro! Ou será que é?!
Já ando sonhando com Sócrates e Platão, Górgias e Protágoras, lutando Box nas Agorás de Atenas: "vender ou não vender o saber, eis o dilema", que hoje está mais para: "sobreviver ou não sobreviver, eis a novela!" Pena que o tempo dos oráculos já se foi, senão pegaria senha e enfrentaria até fila para ter uma palavrinha com o de Delfos (que, ao contrário do Palocci, prestava assessoria gratuita). Mas, se a entidade delfoniana viesse com aquele "papo cabeça" de que o lance é o "Só sei que nada sei", e que o "partejar ideias" tem que ser gratuito e por amor a sabedoria, maieuticamente falando eu questionaria o porquê do FHC, do Palocci e outros "ex-alguma coisa no governo", venderem (prestarem assessoria) o que juram que NÃO SABEM e estarem montados na grana!
Que me perdoem aqueles que querem reabilitar a dignidade da sofística, mas acredito que, talvez, essa nova espécie de assessores tenha tomado como exemplo a ser seguido a sofística com aquela conotação pejorativa conhecida, e que aprendemos a criticar... Só sei que andam vendendo "um determinado saber, que só eles sabem", e fazendo a festa bonitinho debaixo do nosso nariz...
Porém, como sou muuuuito ponderada, ponderei: a questão é que em Atenas o salário dos “prostitutos do saber” era pago em dracmas (moeda real da Grécia Antiga) e o salário dos contemporâneos mestres, “putos da vida com o barateamento do saber”, é pago em real (moeda ideal do império tupiniquim). Já os ganhos dos discípulos contemporâneos dos sofistas, FHC, Palocci e Cia Ltda., são pagos em dólar (moeda real e ideal do império ianque; não sei até quando, mas se depender de Obama, o show, comandado pelos ianques e os britânicos, tem que continuar, apesar dos emergentes, incluindo nóis na fita)
Pois é...nada como uma boa ponderação para partejar o âmago da ideia por detrás da coisa!
Bem, voltando ao meu brejo e as minhas vaquinhas: dizem que crise é uma coisa legal, que nas crises a gente CRESCE e blá, blá, blá. Deve ser sim, mas isso deve valer somente para quem está fora delas! Em minha crise existencial eu já ando ouvindo vozes... Deve ser a tenebrosa voz da minha consciência me alertando: - Brejo, aí vou eu...Brejo aí vou eu...!

Izabel Lisboa


(texto escrito em 2009 / repaginado)

sábado, 28 de maio de 2011

um beija flor tem andado a me cortejar...



- um beija flor tem andado a me rodear...

mensagens subliminares
manda-me ele em olhares e
pelo frêmito das asas em frenesi
[suspiro e nem pisco...]
decifro esses seus lampejos e
delicio-me em seus cortejos
[dedico-me em aguardar o beijo...]

Izabel Lisboa

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Caetano Veloso - O Ultimo Romantico

desejos & arestas

evita-me o iluminista
como o diabo à cruz... mas
a carne grita... e
se põem aflita
ah... a paixão!
- quem resiste à mal-dita?!
a lua sob o domínio da dita
mesmo presa no lago... brilha

Izabel Lisboa

quarta-feira, 25 de maio de 2011

da belicosa palavra



subjaz entre mundos de carne/osso
fel e ressentimento um
atlântico não muito pacífico de
interrogações e exclamações
reticências e travessões
verbos e provérbios
imperativos e adjetivos
pronomes possessivos e
metáforas e
anáforas e a
palavra a
palavra a
mesma que lavra
redime e salva
ergue muralhas e
tece mortalhas


Izabel Lisboa

segunda-feira, 23 de maio de 2011

nossa dor













é minha também essa dor
essa dor pra nós tão doída
que mistura-se a nossa vida
como dor de parto
que é dor esquecida
logo a mãe tem nos braços
o filho que trouxe à vida


é minha também essa dor
essa dor pra nós tão doída
dela não abro mão
dela o sentido da vida
retiro dela o remédio
curo com ela as feridas
nela me sinto viva


é sua também essa dor
essa dor pra nós tão doída
somos cúmplices na mesma dor
somos carne coração e ferida
viver é morrer dessa dor
dor que liberta da morte
dor que nos lança na vida


Izabel Lisboa

domingo, 22 de maio de 2011

Rome - Querkraft (legendado)



"Toda paixão passou...ficamos surdos para tudo..."

"Vamos nos reunir na dança da guerra..."

"Salvadores...eles vem e vão..."





domingo, 15 de maio de 2011

Para que janelas numa casa tão arejada?!

Enorme gentileza a de António Cabrita em enviar-me uma carta/resposta através de seu blog: http://raposasasul.blogspot.com/2011/05/carta-izabel-lisboa.html.
Trata-se de uma tréplica direcionada ao meu texto fast food & talibãs‏.

Fiz algumas considerações sobre:

- Enfim, no cerne da questão está o: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come... Ou seria – em se tratando de talibãs e ianques: se correr o bicho explode, se ficar o bicho invade?! “ou não!”, como diria Caetano Veloso. Há uma terceira via, nos sugere Cabrita, nada fácil, mas há: abrem-se as possibilidades dos arquipélagos, e isso tem perfume de flores novas brotando em novos jardins! No entanto, toda atenção é pouca: abismos – a que nos levam identidades assassinas tomadas como essência – é o que não falta para dissipar o singular aroma da alteridade... e, num piscar de olhos, lá se vai o rebanho rolando abismo abaixo movido pelo empurrão da intolerância...

- Percebi certa postura defensiva quando António Cabrita diz de sua ida para Maputo/Moçambique, como se tivesse tomado minhas considerações em relação aos conquistadores europeus nos tempos do Brasil colônia, como sendo uma crítica às suas investidas e conquistas pessoais no continente africano. Todavia nem me passou pela cabeça tal comparação, estava comparando, sim e tão somente, as estratégias dos antigos conquistadores europeus com as estratégias dos contemporâneos conquistadores ianques, não fazendo nenhuma correlação com as escolhas pessoais de Cabrita, que por sinal admiro muito e, até sinto uma salutar invejazinha... Quisera eu ter sua disposição, competência e coragem de largar, não somente o conforto europeu, mas a família e amigos, para abraçar a árdua, talvez lúdica, condição de estrangeiro em terras d’África!

- A intelectualidade de Rio e S Paulo sempre padeceu dessa surdez de que fala Cabrita; efeito colateral da mesquinhez que arromba o coração dos homens e que me leva a considerar que não só a Sociedade Ocidental, mas todos os homens, em todos os tempos, não tem o exclusivo do Mal, mas, também, não fazem o almejado Bem quando estão obsessivamente fixados em seus próprios umbigos. Santo Agostinho em muito acrescenta a Sócrates quando introduz a dimensão da importância da vontade quando se trata de fazer o Bem. Nietzsche aniquila os dois de forma ácida, mas isso é outra história para uma outra hora.

- Olhando a imagem, janela por Pancho Guedes, que Cabrita posta junto ao texto, de pronto questionei: Para que janelas numa casa tão arejada?! De pronto respondi: para debruçar-se nelas, ora! Questionei ainda: Para que as grades?! Respondi: para exercícios de libertação, ora!!! rsrs
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Abraços a António Cabrita e meus agradecimentos pelo carinho e pela preciosa e gentil atenção!
Izabel Lisboa


 

sábado, 14 de maio de 2011

geografias
















existe

(Ser) humano ilha
arquipélago
continente
enseada
oceano
...
(Ser) humano rio
nascente
córrego
riacho
lagoa
...
(Ser) humano estreito
montanha
estuário
planície
vale
...
(Ser) humano vulcão
placa tectônica
fossa oceânica
encosta
platô
...
(Ser) humano geleira
caverna
mangue
deserto
oásis
...

existe (Ser) humano abismo...

 Izabel Lisboa

Drummond, pedras e caminhos

no meio de uma pedra tinha um caminho
tinha um caminho no meio de uma pedra
abri um caminho no meio de uma pedra
no meio de uma pedra abri um caminho

nunca esquecerei...


Izabel Lisboa